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Paquistão: ex-primeiro-ministro vendeu relógio presenteado e foi preso

O caso, obviamente, envolve uma disputa política na qual se defrontam Imran Khan e um governo atrás do qual está a cúpula militar

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 Maio 2024, 22h59 - Publicado em 7 ago 2023, 06h39
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  • Um relógio Graff de platina cravejado de diamantes, outros quatro da marca Rolex, anel, abotoaduras, caneta… O conjunto já é conhecido dos brasileiros — e envolve muito mais do que presentes de estado que deveriam fazer parte do acervo nacional.

    No caso do Paquistão, onde o ex-primeiro-ministro Imran Khan foi levado para cumprir pena de três anos de cadeia por vender um presente valioso, envolve uma disputa política tremenda num país onde militares poderosos e muitas vezes golpistas, fundamentalistas islâmicos, uma disputa eterna com a Índia e forte tradição de violência política, tudo isso temperado por armas nucleares, criam um caldeirão em permanente ebulição.

    “Um ladrão foi preso hoje”, disse a porta-voz do governo, Marriyum Aurangzeb. “Qualquer negociação com o ladrão será difícil agora, já que ele está na cadeia”.

    Isso dá uma ideia da disputa entre o político mais popular do país, com uma movimentada e intrigante história, e um governo que parece ser apenas a fachada por trás da qual operam generais da alta cúpula.

    Detalhe: Khan, um ex-jogador de críquete que era ídolo esportivo adorado na Inglaterra, só governou, de 2018 até o ano passado, porque os militares deixaram. Caiu ao perder um voto de confiança. Nem um único primeiro-ministro terminou serenamente o governo na curta e violenta história do Paquistão, país nascido no banho de sangue propiciado pela independência e a subsequente partilha da Índia entre hinduístas e muçulmanos, em 1948.

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    Todas as analogias com o Brasil devem levar em conta as condições completamente diferentes, embora sejam enormes as coincidências. O relógio de platina da joalheria Graff foi presenteado por Mohammed Bin Salman, o príncipe que na prática governa a Arábia Saudita. “Eles queriam vender por quatro a cinco milhões de dólares, mas eu comprei por dois milhões”, disse Umar Farooq Zahoor, empresário baseado em Dubai, sobre o raríssimo relógio da Graff.

    A joalheria inglesa produz o relógio mais caro do mundo, um modelo feminino no formato de pulseira onde se articulam enormes diamantes de oito cores diferentes, chamado, apropriadamente, de Hallucination. Preço: 55 milhões de dólares.

    Agradar visitantes com presentes valiosos é uma prática comum dos ricos países do Golfo Pérsico. Os sauditas são especialmente conhecidos pela generosidade, um modo de honrar a tradição árabe de hospitalidade e, claro, de fazer amigos em lugares importantes.

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    Ao todo, em seu curto mandato Khan e a mulher receberam cerca de 110 presentes e ficaram com a maioria. O episódio é chamado de caso Tokhashana, nome do departamento do Ministério do Tesouro ao qual devem ser entregues presentes dados a chefes de estado ou de governo.

    Segundo a acusação, Imran Khan depositou os presentes no acervo nacional — e depois os comprou de volta, por um valor menor do que o real, para revenda. O problema é que não declarou essas transações. A venda do relógio modelo especial foi intermediada por um assessor da terceira mulher de Khan, Bushra Bibi.

    A primeira, mãe de seus dois filhos mais velhos, foi a linda Jemima Goldsmith, socialite inglesa que, na época, formou com Imran Khan um dos casais mais bonitos e badalados dos altos círculos britânicos. O pai de Jemima era o banqueiro de origem judaica Jimmy Goldsmith, o que não facilitou muito a vida dela quando se converteu à religião muçulmana e foi morar no Paquistão.

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    Em lugar de se tornar um político de ideias modernas, tão necessárias para transformar o Paquistão num país bem sucedido — ainda mais agora que seu inimigo mortal, a Índia, está vivendo uma extraordinária evolução econômica —, Imran Khan foi se tornando religioso e até se aproximou do fundamentalismo, uma corrente fortíssima no Paquistão, redundando em simpatias pela Al Qaeda e horríveis perseguições à minoria xiita e aos poucos cristãos do país.

    Os partidários de Khan têm um histórico de manifestações violentas e o julgamento do ex-primeiro-ministro foi um show de abusos, de todas as partes. No ano passado, ele disse ter sofrido um atentado do qual com um tiro na perna. “O establishment tem pavor que eu ganhe a eleição e, portanto, vai tentar me eliminar”, disse na época.

    A popularidade do ex-primeiro-ministro aumentou depois que o caso das joias foi, por motivos óbvios, transformado num julgamento político.

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    Todos os ex-primeiros-ministros paquistaneses passaram, em algum momento, temporadas na cadeira. Zulfikar Ali Bhutto foi enforcado em 1979, e sua filha, Benazir Bhutto, assassinada por um homem-bomba em 2007.

    Imran Khan não tem nenhum plano de passar três anos preso em silêncio. Antes de ser levado para cumprir a pena, deixou um apelo gravado: “Meus compatriotas, eles vão me prender e estarei detido quando ouvirem essa mensagem. Tenho só um pedido a fazer: não fiquem quietos em casa. Estamos travando uma guerra pela justiça, por seus direitos, por sua liberdade. As correntes não caem sozinhas, precisam ser quebradas”.

    A situação tem contornos paquistaneses: milhares de partidários de Khan foram presos, incluindo políticos do partido dele, o Movimento Paquistanês pela Justiça. Alguns renunciaram aos mandatos.

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    Imran Khan na cadeia não vai acalmar em nada a situação ou sua prisão acabará absorvida?

    A resposta interessa a muita gente.

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