Vladimir Putin é um jogador de alta competência e audácia – e é um jogador que também não está conseguindo a vitória fácil que queria com a atual ofensiva na Ucrânia. Por isso, fica mais perigoso e ousado. Prova disso é o envio de navios de guerra para manobras em Cuba, incluindo um submarino de propulsão nuclear (não com armamentos desse tipo, pois aí estaríamos sob o risco de uma nova Crise dos Mísseis).
As manobras, em si, não são ilegítimas: Cuba é um cliente submisso e flexível às demandas da Rússia, mesmo tendo perdido a “pensão” da época soviética, quando vendia açúcar a dez vezes mais do que o preço internacional, entre outros subsídios. Miguel Díaz-Canel parece um garotinho emocionado quando se depara com o paizão russo e gosta da ideia de se vingar das manobras americanas em Guantánamo – ainda funciona com cabeça de guerra fria.
O principal é o contexto: Putin tem ameaçado retaliações constantemente depois que Estados Unidos e Alemanha autorizaram o uso limitado de armas fornecidas para a Ucrânia contra alvos em território russo. Os resultados já estão aparecendo e contribuem para mostrar que a grande ofensiva contra Kharkiv e outros objetivos ucranianos não é o passeio que parecia. A Ucrânia resiste e a iniciativa parece escorrer entre os dedos de um adversário com capacidade humana e bélica muito maior.
Sofrer outra humilhação, como a dos fiascos no começo da guerra, seria insuportável para o líder russo.
SEMENTE PERIGOSA
Putin disse que a Rússia, por retaliação, poderia fornecer mísseis e países e “entidades” inimigas dos Estados Unidos, uma ameaça gravíssima. Como já se tornou quase comum, voltou a levantar o espectro da guerra nuclear. A doutrina nuclear russa, disse, é “um instrumento vivo” que pode ser mudado “se a existência do estado estiver sob ameaça”.
É claro que os ucranianos, nem com todos os armamentos estrangeiros, não podem sequer chegar perto de ameaçar existencialmente a Rússia, mas a ideia é deixar plantada a perigosa semente de um eventual uso de armas nucleares táticas contra um inimigo que tem a ousadia de resistir.
As armas da flotilha russa que ancorou ontem em Cuba – submarino, fragata e dois navios de apoio – não são nucleares, mas incluem os mísseis hipersônicos Zircon, capazes de estontear qualquer defesa pela velocidade de 11 000 quilômetros horários. Ele só são vulneráveis numa estreita janela, quando diminuem a velocidade ao se aproximar do alvo, caindo para “apenas” 4,5 Mach.
Não se destinam a ser usados na atual provocação naval, mas apenas exibidos, ao contrário dos mísseis nucleares secretamente enviados a Cuba, fotografados por aviões espiões americanos e retirados na marra, depois dos trezes terríveis dias que a humanidade viveu em 1962. O líder soviético Nikita Khrushchev acabou cedendo à firmeza angustiada de John Kennedy para não levar o mundo ao horror apocalítico de uma guerra nuclear.
Fidel Castro foi contra: queria que os soviéticos enfrentassem os “imperialistas” mesmo ao custo de centenas de milhões de mortos e da garantida evaporação de Cuba.
O TIRANO E O LOBO
Na época, ficou possesso com o recuo de Krushchev (que também levou em troca a retirada de mísseis nucleares americanos da Turquia). Só reconheceu muitos anos depois, numa série de entrevistas ao jornalista americano Jonas Goldberg, que “não teria valido a pena”acabar com o mundo só para não ceder uma vitória aos Estados Unidos. Detalhes: um dos pontos do acordo de Kennedy com Khruschev era que não haveria mais nenhuma tentativa de invasão de Cuba, como a de Baía dos Porcos.
Ao contrário de Fidel, Díaz-Canel não apita nada nas decisões de Trump. Como Khrushchev, um dos carrascos escolhidos por Stalin para implantar o terror vermelho (depois, foi o principal responsável pelas denúncias pós-morte contra o tirano comunista), Putin é um agente racional. Provoca até onde vê espaço para isso.
Mas, como o menino que gritava “Lobo!”, o atual tirano do Kremlin pode entender o risco de que suas ameaças sejam desmoralizadas pela constante repetição – e pela inesperada resistência ucraniana.
Mora aí o perigo.