Philip da Grécia era, em termos da realeza europeia, praticamente um zé ninguém. Apesar de ter nascido príncipe, numa mesa de cozinha num palácio sem água corrente na ilha de Corfu, não tinha dinheiro e a linhagem familiar era problemática.
Quem mudou sua vida foi um tio importante, Louis Mountbatten, ou conde Mountbatten da Birmânia, último vice-rei da Índia, antes da independência.
Lorde Mountbatten colocou o sobrinho pobretão sob sua proteção e viu nele uma oportunidade. O jovem loiro, alto, bonito, viril e cheio de atitude correspondeu.
Desde que Mountbatten o colocou ao lado de Lilibeth, como era chamada na família tímida princesa propelida a herdeira do trono depois da escandalosa abdicação de seu tio, que reinou menos de um ano como rei Edward VIII, e ela viu Philip, com apenas 13 anos, o destino foi traçado: foram quase oitenta anos de, mais do que casamento, uma sociedade para a promoção da família mais conhecida do mundo.
A alta aristocracia inglesa achava que o príncipe grego, originário da família dinamarquesa que acabou tendo um ramo na Grécia por acrobacias da política europeia, não estava à altura do status sem similar da princesa Elizabeth.
Nos meios políticos, temia-se o habitual, pela mentalidade da época: que ele se tornasse uma força capaz de exercer influência demais sobre a jovem e inexperiente noiva.
Elizabeth bateu o pezinho e o pai, George VI, que também havia casado por amor, antes de imaginar que acabaria substituindo o irmão no trono, cedeu.
A série The Crown mostra um pouco da relação complicada que se estabeleceu. Philip explodindo de opiniões e testosterona por todos os botões do uniforme de oficial da Marinha, e Elizabeth, depois de coroada, toureando o marido frustrado e se tornando, irreversivelmente, a detentora da palavra final.
Exceto num ponto: em assuntos privados de família, Philip era o patriarca tradicional. Por causa disso, obrigou o relutante príncipe herdeiro, Charles, a cursar o colégio militar que o deixaria traumatizado.
Com o tempo, os arroubos de Philip se acalmaram – ou se extravasaram para aventuras fora das muralhas dos palácios.
Elizabeth nunca perdeu a menor oportunidade de exaltar o papel e a importância do marido. Também desenvolveu um alto grau de tolerância pelas brincadeiras com que ele tentava atravessar a chatice interminável de compromissos oficiais, a mesma coisa, ao longo de décadas e mais décadas: ser apresentado a súditos ou estrangeiros deslumbrados, cumprimentar uma infinidade de estranhos, dizer algo neutro e simpático.
Nessa parte, Philip inovou. “Declaro isso inaugurado, seja lá o que for”, resmungou numa inauguração no Canadá.
“Ainda atirando lanças?”, disparou para um aborígene australiano.
A um estudante que havia percorrido Papua-Nova Guiné, outrora famosa pelos canibais: “Então, conseguiu que não te comessem”.
“Se vocês ficarem muito tempo aqui acabarão com os olhos puxados”, ouviu um grupo de estudantes britânicos na China.
Com o tempo, Philip virou uma espécie de tio inconveniente, aquele que faz piadinhas com minorias, para horror da ala jovem da família, do tipo que o pessoal balança a cabeça e diz “Ah, só ele mesmo”.
Hoje, obviamente, todos os membros da família real seguem os mais estritos preceitos politicamente corretos, o que aumentou o choque quando Harry e Meghan mais do que insinuaram que ela sofreu preconceito por ser metade negra e um membro não especificado – não Philip nem a rainha – especulou sobre qual seria o tom de pele do filhinho deles.
Chegar aos 99 anos, uma perspectiva que ele considerava pavorosa, foi até normal pelos padrões da família.
A mulher que ele apoiou incondicionalmente, apesar dos percalços de uma vida única como a de uma esposa rainha e uma posição secundária para seu consorte – “Sou uma ameba”, na sua própria descrição – vai fazer 95 anos no próximo dia 21.
Os dois já estavam separados, por motivos práticos, depois que Philip se aposentou da vida pública. Por causa da pandemia, voltaram a morar juntos, numa “bolha” criada em Windsor ou em outros palácios da família.
A morte do príncipe politicamente incorreto inevitavelmente abre a pergunta: até quando Elizabeth aguentará?