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O maior perigo da França: rebelião da população de origem estrangeira

Essa é a realidade que o establishment nem se atreve a falar, mas se revela na violência que se espalha pelos subúrbios — e no que dizem franceses

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 Maio 2024, 00h31 - Publicado em 3 jul 2023, 07h48
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  • A Assembleia Nacional fez um minuto de silêncio e o presidente Emmanuel Macron falou em ato “indesculpável”. Durou pouco a compunção pela morte de um jovem de 17 anos, Nahel Merzouk, de origem argelina, diante da violência ensandecida que provocou, dos comentários de quem vê o sistema oficial totalmente dessintonizado da realidade – e dos fatos.

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    Uma amostra dos comentários:

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    “Tem que ser bandido para não parar quando a polícia manda”.

    “O que o anjinho estava fazendo?”.

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    “Onde estão os pais e as mães que não mandam seus filhos ficar em casa?”.

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    Já deu para perceber que a situação não é muito diferente do que acontece no Brasil: imprensa e personalidades condenam a violência policial e exaltam a vítima inocente, mas o povaréu quer saber por que ele desafiou dois policiais de arma na mão com ordem para que parasse o carro em situação irregular, o que significa seu histórico de doze “episódios” de registros policiais, como é possível que, em nome do protesto a um ato de uso abusivo da força, lojas, escolas, farmácias, creches, prefeituras dos pequenos municípios que se emendam à região central de Paris e até obras para as Olimpíadas de 2024 sejam queimadas e saqueadas.

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    Não é impossível sentir uma certa pena de Emmanuel Macron, que administra uma crise emendada na outra desde seu primeiro mandato – coletes amarelos, pandemia, protestos contra a reforma das aposentadorias e agora a desordem geral desencadeada pela morte de Nahel.

    Mas é incompreensível que ele tenha ido assistir a um show de Elton John enquanto a violência se espalhava e os policiais encarregados de levar pedradas e fogos de artifício na cara tinham que ouvir o presidente pedindo justiça rápida para o colega colocado em prisão preventiva. Desde quando presidente tem que pautar o ritmo da justiça e dos processos legais?

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    Foi uma manobra política errada e deu até para ouvir mais dezenas, talvez centenas, de milhares de votos caminhando para a direita nacionalista, de Marine Le Pen ou Éric Zemmour, que defendeu “uma repressão feroz”.

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    “Estamos no prólogo de uma guerra civil, uma guerra étnica, uma guerra racial”, insuflou o ex-candidato presidencial, acusando o governo de mandar a polícia recuar “por medo de que haja mortes”.

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    Esta última análise não deixa de ser verdadeira: imaginem a conflagração se a polícia entrasse em confronto letal com os “manifestantes”, entre aspas porque quem destrói e rouba postando depois no TikTok não tem nada a ver com o legítimo direito ao protesto.

    A realidade da situação fora de controle baixou rapidamente e o governo, na prática, impôs um toque de recolher, com a suspensão dos transportes públicos a partir das 9 horas da noite. Os ministros envolvidos engrossaram o tom, prometendo enquadrar todos os que incitavam à baderna pelo Snapchat, considerando-se protegidos por um sigilo inexistente. Os pais de menores saqueadores também poderiam sofrer multas e até penas de prisão – as leis para isso já existem.

    Mas as leis, obviamente, só podem funcionar quando a sociedade as aceita. Ou pelo menos acredita que, de alguma medida, serão aplicadas.

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    O que se vê, repetidamente, na França e em outros países com grande imigração árabe e africana é a rejeição não só à ordem social mas ao próprio país. Descendentes de terceira geração de imigrantes, em geral de religião muçulmana, simplesmente não se sentem franceses – ao contrário, odeiam seus compatriotas. Por que outro motivo, por exemplo, uma vitória do Marrocos na última Copa do Mundo provocaria incêndios e quebra-quebra, como aconteceu na França e na Bélgica? E por que um incidente ocorrido na França leva a protestos violentos em Lausanne, repetindo, Lausanne, na inabalavelmente tranquila Suíça?

    Uma das maiores contradições, seja num bairro pobre do Rio, seja no cinturão em torno de Paris – onde o Estado é presente, com escolas, centros esportivos e outras iniciativas para integrar a juventude –, é que os mais afetados são justamente os moradores. É triste ver a desolação de pessoas diante de escolas queimadas até o alicerce ou mesmo carros incendiados, muitas vezes o principal bem material que têm seus proprietários. Quando a turba malta fica sem controle, o impulso autodestrutivo é grande. Sem contar os espertos – ou ladrões profissionais – que param seus carros diante de supermercados e centros comerciais e orientam os jovens sobre o que devem roubar. Exatamente como aconteceu nos Estados Unidos durante os protestos contra a morte de George Floyd.

    O pior é que muitos franceses nem podem reclamar: aplaudiam violências similares quando os protestos contra a reforma da aposentadoria degeneravam para o quebra-quebra, plenamente justificado pelos partidos de esquerda. Depois de jogarem lenha na fogueira para instrumentalizar a morte de Nahel, eles diminuíram o tom, percebendo que a maioria da população fica revoltada com a situação caótica de desordem e destruição.

    “Nosso país está na beira do precipício”, alertou Éric Ciotti, que é da direita tradicional e tenta não ser ultrapassado pela direita nacionalista. Está difícil. Descendentes de imigrantes árabes e africanos – assim identificados, pois não se vê na baderna vietnamitas nem cambojanos, duas populações de origem estrangeira importantes – que tocam fogo e destroem o patrimônio público são os melhores argumentos para políticos como Marine Le Pen e Zemmour.

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    Ciotti recebeu a seguinte ameaça depois de visitar uma cidade incendiada: “Se voltar aqui, vamos tacar fogo em você”. Depois de erguer barreiras com arame farpado para proteger sua prefeitura, o prefeito da cidadezinha de L’Haÿ-les-Roses, Vincent Jeanbrun, foi atacado brutalmente por outro lado: um carro em chamas arremeteu contra sua modesta casa, onde estavam a esposa e dois filhos pequenos. A mulher sofreu uma fratura grave ao jogar os filhos e pular o muro do quintal dos vizinhos, fugindo dos “manifestantes”.

    É inacreditável que cenas assim aconteçam no coração da França que, em muitos sentidos, é também o coração da civilização ocidental. A camada civilizatória construída ao longo de milênios desaparece rapidamente quando as turbas assumem o controle.

    Até a seleção francesa achou por bem se pronunciar a respeito, talvez para abrandar a manifestação de Kylian Mbappé logo no início do quebra-quebra, chamando o jovem morto de “pequeno anjo”, uma forte contradição com a realidade de um adolescente que já havia sido flagrado por posse de droga, receptação e circulação em carro sem carteira nem licença. “Depois do trágico acontecimento, assistimos a explosão de uma cólera popular cujo fundamento nós entendemos, mas cuja forma não podemos endossar”, disseram os jogadores, cheios de dedos.

    “Muitos de nós saímos dos bairros populares e compartilhamos os sentimentos de dor e tristeza. Mas a este sofrimento se soma o de assistirmos impotentes a um verdadeiro processo de autodestruição. A violência não resolve nada.”

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    Não resolve mesmo, mas parece uma maldição entranhada num dos melhores países do mundo, com uma insuperável combinação de padrão de vida, paisagem, patrimônio histórico, tradição de produtos sofisticados e bens imateriais. Um retrato dessa praga: a “competição” em doações para a mãe de Nahel e para o policial detido por sua morte, “que fez seu trabalho e hoje paga um preço pesado”. Este crowdfunding levantou 800 mil euros em quatro dias.

    É possível condenar o destino fatal do jovem que desafiou, inexplicavelmente, a polícia, numa cena que foi filmada, e também se revoltar com os incêndios, saques e roubos que, para ficar em apenas um exemplo, consumiram 5 mil veículos?

    É nessa linha que o governo Macron tem que operar, com uma margem de manobra estreita e o risco de perder a mão. Sem contar administrar a polícia, com seus múltiplos sindicatos cujos representantes falam sem parar na televisão e não estão nada satisfeitos, e até a rivalidade tácita do ministro do Interior, Gérald Darmanin, que tem uma imagem de autoridade maior que a de Macron – e ainda a vantagem de sempre lembrar sua origem, como descendente de imigrantes, inclusive argelinos.

    A situação começou a refluir no fim de semana, mas com um ruído de fundo, desconfortável e até insuportável para uma parte crescente dos franceses: a certeza de que não será a última vez. Os surtos de violência vão inexoravelmente se repetir e com eles cenas inacreditáveis, como a pichação de um memorial em homenagem às vítimas das deportações de judeus para o Holocausto dos campos de extermínio, que na França é chamado pela palavra em hebraico, Shoah, e aos combatentes da resistência.

    Além da bandeira francesa pisoteada, foi pichada a seguinte frase: “Vamos fazer uma Shoah com vocês”.

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