No time de mulheres fortes montado por Milei, Diana Mondino se destaca
Ministra nomeada das Relações Exteriores, ela não tem nada de diplomata de fala macia, ao contrário, emula o estilo motosserra do chefe
Uma amostra do papo reto de Diana Mondino, a mulher que a partir de domingo se tornará ministra das Relações Exteriores do governo de Javier Milei na Argentina:
– “O governo que sai deveria pedir desculpas de joelhos”. Autoexplicativa.
– “Não ingressaremos nos Brics”. Assim, por rede social, sem meias palavras.
– “Em janeiro e fevereiro, os que não têm geradores, consigam; não dá para todos”. Um choque dado numa reunião com donos de indústrias ao falar sobre os limites do fornecimento de energia. Foi tão forte o impacto que muitos eliminaram da cobertura o que ela disse a seguir: “Aguentem por mais seis meses que este será o melhor país do mundo”.
– “Se formos esperar que todos estejam contentes, ninguém estará”.
– Antes disso, elaborou: “É preciso simplificar impostos de maneira urgente. Não é possível seguir com esse desequilíbrio fiscal. E nós vamos pelo lado de primeiro baixar gastos para, depois, fazer o mesmo com os impostos”.
Dá para ver, pelo linguajar, que Diana Mondino é economista. Era professora universitária e presidente de um banco regional de sua província, Córdoba, antes de entrar no caldeirão fervente montado por Javier Milei para ganhar a presidência da Argentina e transformar radicalmente o modelo econômico e administrativo do país.
‘MERCADO FANTÁSTICO’
Nada do que já foi dito ou escrito consegue retratar a imensidão, se não a impossibilidade, dessa tarefa. Por que uma mulher de 65 anos que nunca teve carreira política, formada nas melhores universidades americanas, com um bom patrimônio conseguido com uma empresa de análise de risco, ex-gerente-geral para a América Latina da Standard and Poor’s, decidiu entrar nessa fogueira?
Talvez porque, além de analisar, ela goste de correr risco. E tenha visto em Milei uma chance para a Argentina, da mesma forma que os 56% dos eleitores que votaram nele. Ou porque se identifique com o estilo motosserra.
Por exemplo, ela defendeu uma das declarações mais espantosas de Milei, sobre a venda de órgãos, nos seguintes termos: “O mercado de órgãos é fantástico, mas todo mundo acha que vão te agarrar na rua e cortar em pedacinhos para tirar um rim. Mercado quer dizer transação. Por exemplo, uma pessoa que não conheço pode doar para mim e fazer uma cadeia de favores”.
Essa transação “não implica necessariamente uma cobrança”.
“O que é o mercado de órgãos? Você precisa de um rim e não há ninguém em seu círculo íntimo que seja compatível, que possa ou queira doar. Mas existe alguém em outra ponta que é compatível com outro, que é compatível com outro, que faz a doação a você. Há um homem que ganhou o Prêmio Nobel por isso, Alvin Roth”.
Diana Mondino ganhou destaque quando veio, num domingo, se encontrar com o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, e apresentar um convite ao presidente Lula da Silva para a posse de Milei. Foi uma maneira inteligente de reiniciar uma relação tóxica, com com um chamando o outro de “comunista” e “corrupto”, e o outro deslocando recursos para a campanha adversária – e perdedora.
Dias depois, a bomba: Daniel Scioli, peronista da gema, continuaria como embaixador no Brasil. O pobre Alberto Fernández, tão fraco que nem tentou a reeleição como presidente, quase teve uma apoplexia.
PREÇOS LIVRES
Mondino já declarou que sua missão é a reinserção da Argentina no mundo, o que depende, obviamente, de que o conjunto de reformas de Milei dê certo. Ou pelo menos não provoque um “efeito Pedro Castillo”, o desorientado líder sindical dos professores que foi eleito presidente do Peru sem um partido por trás e acabou cassado, depois de uma patética tentativa de golpe com zero apoio. A ministra nomeada já disse que nada será possível sem o apoio do Congresso – o óbvio, embora quase impossível.
Aos donos de indústrias reunidos num congresso, ela delineou: “O primeiro a ser reconhecido são as restrições, uma quantidade enorme de regulamentações para as exportações. A Argentina, por algum estranho motivo, considera que os dólares não são de quem exporta, mas do Banco Central. O mais rápido possível, temos que fazer com que os dólares sejam do exportador, que pagará impostos, mas é indispensável que tenha um incentivo para continuar produzindo”.
“Os preços máximos, os preços cuidados, têm que desaparecer. Não tem que haver controle de preços, nunca funcionou. Se deixarmos os preços livres, as empresas farão o melhor que puderem. É preciso gerar concorrência”.
Nem Paulo Guedes diria melhor.
COMÉDIA DE RISCO
Por declarações assim, Diana Mondino está ganhando um perfil maior do que o cargo para o qual foi nomeada, num governo em formação cheio de mulheres fortes. A mais importante de todas é Karina Milei, a irmã cuja influência é absoluta. Ela será secretária-geral da Presidência.
A vice Victoria Villarreal já se estranhou com Milei por ter dado a outra mulher poderosa, Patricia Bullrich, o Ministério da Segurança. Foram os eleitores da ex-candidata Bullrich que, no segundo turno, deram a vitória a Milei. Ela divulgou um vídeo no TikTok com cenas da época em que foi ministra de Mauricio Macri e a frase: “Tremem os delinquentes, tremem os corruptos, tremem os narcos. Quem faz, paga”.
Outro nome forte é do da ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello. A pasta que ocupará resulta da fusão dos ministérios de Educação, Saúde, Trabalho e Desenvolvimento Social. Está bom, não?
Sem ocupar nenhum cargo, nem sequer o antiquado posto de primeira-dama, existe ainda a comediante Fátima Florez. A namorada do presidente já disse que não vai abandonar a carreira – com todo apoio dele, que declarou que seria egoísmo privar o país do talento da humorista.
Problema: conhecida por uma imitação hilariante de Cristina Kirchner, ela agora terá que fazer comédia com Karina, Victoria, Patricia ou Diana? E comédia crítica, pois humor a favor talvez só exista no Brasil.
Seria, naturalmente, uma comédia de alto risco.
Aliás, como tudo mais na Argentina.