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Nepotismo: do indultado Hunter Biden ao nomeado sogro da filha de Trump

Os maus exemplos não têm filiação política exclusiva e indicam uma deterioração dos mecanismos que deveriam proteger as instituições

Por Vilma Gryzinski 3 dez 2024, 07h51
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  • O que os democratas vão dizer quando Donald Trump começar a indultar condenados por participação na invasão do Congresso americano, em 6 de janeiro de 2021? Certamente muitos vão surtar, mas a superioridade moral foi para o espaço. E com uma dose de hipocrisia e cinismo que deveria envergonhar todos os que estão no mesmo barco político que Joe Biden. Qual outra forma de qualificar o indulto que ele deu ao filho Hunter Biden depois de garantir reiteradamente que nunca, jamais faria isso.

    Foi de abalar as estruturas de tantos que continuaram confiando no homem que se apresentou como um exemplo de moralidade e ética ao enfrentar Trump em 2020. Nate Silver, o guru das pesquisas (equivocado na última eleição presidencial), foi talvez uma das vozes mais veementes.

    “Depois que a Casa Branca mentiu sobre o indulto a Hunter, não sei mais quanto posso aguentar”, desabafou em tom furioso. “Em 2028, não votem em nenhum democrata que não repudiar o indulto num prazo de 48 horas”.

    Vindo de um fiel soldado do partido, é grave. Já que estava possesso, Silver aproveitou e culpou Biden, por ter tentado ser candidato de novo (depois de garantir que não faria isso), criando assim “o fator isolado mais importante para o Trump 2.0”.

    REPÚBLICA PURITANA

    Indultar cupinchas é uma tradição de fim de mandato, mas Biden ultrapassou os limites mesmo dos tolerantes por mentir tão reiteradamente sobre suas intenções, livrando o filho de uma condenação por, adivinhem só, mentir num questionário oficial e comprar um revólver quando estava enrolado com o uso de drogas. O indulto também abarca um caso de sonegação. Todas as suspeitas de favorecimento ilícito, na época em que o pai era vice-presidente e o filho fazia ponte com empresários estrangeiros interessados em bons negócios, não serão mais investigadas.

    Em vez de passar por pai extremoso, Joe Biden transmitiu a imagem de nepotismo, uma prática que remonta aos “sobrinhos” – em italiano, “nipoti” – dos papas na época em que a cúpula da Igreja fazia as mais arrebatadas e corruptas manobras do jogo do poder (e os sobrinhos geralmente eram filhos que demonstravam o escárnio com que o celibato era tratado).

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    Na sóbria e quase puritana república americana, ancorada no mérito e na vigilância sobre as instituições, era altamente repudiável. Dois presidentes com o sobrenome Roosevelt, dois Bush e (quase, quase) dois Clinton mostraram que filhos, sobrinhos e esposas frequentemente dão um jeito de se projetar, mas passando pelo filtro poderoso do voto.

    Donald Trump achou que não poderia desperdiçar os talentos da filha Ivanka e do genro Jared Kushner. Eles integraram o primeiro governo, abrindo mão da remuneração e fizeram boas contribuições. Mas a poeira dos tapetes da Casa Branca ainda não havia saído de seus sapatos quando Kushner recebeu dois bilhões de dólares da Arábia Saudita para o fundo de investimentos que abriu assim que deixou o governo.

    O casal agora ficou fora da política, mas o pai de Jared, Charles Kushner, foi indicado para ser o novo embaixador em Paris.

    PROVA DE ADULTÉRIO

    O bilionário do setor imobiliário ganha assim um duplo benefício. Trump já o havia indultado ao fim do primeiro governo por um dos casos mais bizarros da história das disputas pelo poder em famílias muito ricas. Resumo rápido: ele contratou uma prostituta para atrair o cunhado para um motel de Nova Jersey e filmar o encontro.

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    Pretendia mostrar a prova do adultério para a irmã e assim se vingar da colaboração do cunhado numa investigação sobre malfeitos contábeis. Daria uma série da Netflix, com final ainda em aberto sobre a estadia no lindo palacete do Faubourg Saint-Honoré onde moram os embaixadores americanos. Charles Kushner vai compartilhar a galeria de retratos com Benjamin Franklin.

    Mas não é o único sogrão contemplado. O pai do marido de Tiffany Trump (grávida do primeiro filho) ocupará uma posição como assessor para assuntos árabes e do Oriente Médio. Massad Boulos é originalmente libanês, de uma família cristã como indica o nome – Boulos equivale a Paulo, como o apóstolo. A bagagem é grande. É amigo e partidário de Suleiman Frangieh, de um dos clãs mais importantes do Líbano, de cristãos que, alucinadamente, à moda libanesa, são ligados à Síria e ao Hezbollah. Dá para imaginar o que está passando pela cabeça de aliados americanos na região, inclusive Israel?

    Boulos operou durante a campanha para atrair votos de eleitores de origem árabe e também se lançou na diplomacia de bastidores, reunindo-se com Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, quando esteve em Nova York para a Assembleia Geral da ONU.

    PRESIDENTE BANANEIRO

    Em seu discurso, Abbas desceu o verbo no “governo racista de extrema direita” de Israel – a palavra de ordem repetida em múltiplas esferas. As relações entre Trump e Abbas estavam praticamente rompidas desde 2017, quando o presidente americano chegou a gritar num telefonema “tenso”, por causa das mentiras do palestino sobre incitações contra Israel.

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    Qual será o grande plano de Trump para o Oriente Médio e como Massad Boulos influenciará isso? Que qualificações teria se não fosse sogro da filha do presidente?

    Um dos problemas do nepotismo é esse: nunca as qualificações de seus beneficiados conseguem se sobrepor aos laços familiares e o sistema de vigilância, a que todos em postos públicos deveriam ser submetidos, fica totalmente estressado.

    Ao indultar o filho, Joe Biden chegou a acusar o sistema judicial de ter sido “infectado” por interesses políticos. Ficou parecendo, tristemente, um presidente bananeiro.

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