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Não se lambuze, Boris: três séculos de poder o contemplam

A porta famosa da casa número 10 de Downing Street pode revelar surpresas políticas ou se abrir para desastres e o novo primeiro-ministro pode ter isso tudo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 23 jul 2019, 07h40 - Publicado em 23 jul 2019, 07h32
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  • “Eu sou chamado repetidamente e insidiosamente de primeiro e único ministro.”

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    Ah, imaginem o que é entrar num lugar que já foi ocupado por um homem capaz de uma reclamação assim. E isso muito antes de Winston Churchill, o maior de todos os frasistas.

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    A frase é de Robert Walpole, o homem que efetivamente se tornou o primeiro “primeiro ministro” , entre 1721 e 1742. O cargo era Primeiro Lorde do Tesouro, designação que continua até hoje a fazer parte do título de primeiro-ministro.

    Walpole recusou o presente pessoal feito pelo rei George III, as três casas da Rua Downing. Só foi morar lá sob a condição de que voltassem ao Tesouro público depois de sua morte.

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    Quando fizer seu discurso de posse na frente da porta do Número Dez, como os ingleses resumem o endereço famoso de tijolinhos pretos (pintados dessa cor para manter o visual coberto de fuligem do passado), Boris Johnson terá sobre os ombros 300 anos de pronunciamentos célebres, tiradas brilhantes, carreiras fracassadas, duas guerras mundiais, a ascensão e o fim do império.

    E um bocado de fofocas. As três casas, mais uma mansão que dava para o Parque St. James, foram unificadas num labirinto de corredores, escritórios onde trabalham os funcionários permanentes do serviço público e os nomeados políticos, salões muito mais grandiosos do que aparece normalmente nas fotos e um jardim torpedeado pelo IRA quando John Major era primeiro-ministro.

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    Para quem acha Brasília sufocante pela proximidade entre os estamentos do poder e seus agregados não sabe o que é Downing Street.

    De um lado do número 10 (mais o 11 e o 12), fica a casa ocupada pelo líder do partido majoritário. Do outro, o do ministro do Tesouro. A residência do primeiro-ministro pega um pedaço do primeiro andar do número 10 e do 12.

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    Às vezes, trocam. David Cameron, com três filhos pequenos, ficou na residência do ministro do Tesouro, com acomodações maiores. Tony Blair também fez uma troca assim.

    Margaret Thatcher, que era uma anfitriã preocupada com todos os detalhes, das flores aos drinques, interrompeu certa vez uma recepção a associações acadêmicas conservadoras.

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    Embalados pelo ambiente e a bebida farta, parlamentares do partido do governo ignoraram o sino avisando que era hora de atravessar o parque e votar numa sessão da Câmara dos Comuns. Foram rudemente chamados à realidade: “Todos os parlamentares conservadores façam a bondade de se retirar imediatamente”, disse ela.

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    “Nós vamos continuar aqui e aproveitar.”

    Os parlamentares desceram correndo a famosa escadaria central, com a parede pintada de amarelo vivo para destacar os retratos de todos os primeiros-ministros, desde Robert Walpole.

    Nesse vespeiro em que nem a mais completa fleuma inglesa consegue separar vida particular e social da tenda dominante da política, Boris Johnson vai introduzir um elemento extra: a namorada, Carrie Symonds, 24 anos mais jovem e primeira companheira não casada a morar em Downing Street.

    Carrie tem temperamento forte e quase entornou o caldo de Boris com uma briga de casal gravada por vizinhos esquerdistas que chamaram a polícia e passaram o áudio para o Guardian.

    ARMADILHAS

    Com uma disciplina que os tolos acreditam ser incapaz de ter, Boris Johnson simplesmente não respondeu a nenhuma pergunta, dúvida ou abertura sobre sua vida particular durante a campanha que fez junto ao eleitorado do Partido Conservador.

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    Incrivelmente, escapou de todas as armadilhas enquanto os influenciadores de esquerda mais do que insinuavam que ele teria um histórico de violência doméstica. Na briga com Carrie, é ela quem grita.

    Como ex-assessora de imprensa do partido, ela tem experiência em lidar com crises de imagem, mas quase piorou ainda mais a situação ao “plantar” uma foto em que o casal aparecia conversando idilicamente num cenário campestre.

    A armação foi amplamente ridicularizada, Todo o episódio teve pouco peso para os membros registrados do Partido Conservador – 160 mil -, na maioria focados numa única coisa: Boris Johnson como o candidato realmente comprometido em fazer a separação entre a Grã-Bretanha e a União Europeia.

    Todo o establishment – no lugar onde esta palavra nasceu como sinônimo de classes dominantes -, incluindo uma ala do Partido Conservador, trabalha 24 horas por dia contra o Brexit.

    O Parlamento já bloqueou a opção “saída a seco”, ou seja, sem acordo, e a União Europeia não vai negociar de maneira alguma mudanças no malfadado entendimento que acabou selando o desastroso fim do governo de Theresa May.

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    Boris certamente tem um plano, embora um sarcástico colunista do Telegraph tenha dito que a época em que governos tinham planos parece ter ficado para trás.

    E certamente tem uma boa noção do peso histórico acumulado pelo Brexit, os três anos perdidos por Theresa May e a revolta dos eleitores, traídos pelo não cumprimento do referendo ou irados com uma saída que não desejam.

    Terá as condições objetivas e a capacidade política de enfrentar isso tudo?

    Diante da personalidade assombrosa de Winston Churchill, na narrativa popular ficou completamente apagada a figura de Clement Attlee, o líder trabalhista que participava como vice-primeiro-ministro do governo de união nacional durante a II Guerra – e que o derrotaria na inacreditável eleição de 1945.

    Uma ministra trabalhista, Ellen Wilkinson, comparou assim os dois estilos:

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    “Quando o senhor Attlee preside o gabinete na ausência do primeiro-ministro, o gabinete se reúne na hora marcada, cumpre sistematicamente a agenda, toma as decisões necessárias e vai para casa depois de três ou quatro horas.”

    “Quando o senhor Churchill preside, nunca chegamos até a agenda e não decidimos nada. Mas vamos para casa à meia-noite, conscientes de ter participado de um momento histórico.”

    Ah, se Boris, que já teve a ousadia de escrever um livro considerado bom sobre Churchill, conseguisse um centésimo dessa centelha.

    Larry, o atual felino de uma longa sucessão de caçadores oficiais de ratos de Downing Street, estará olhando tudo o que Boris fizer. E o resto do Reino. Poucos, como ele, tiveram a chance de abrir a porta de carvalho negro com a aldrava de leão e entrar para a história.

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