Milei virou judeu, ‘roubou’ embaixador do atual governo, incendiou circo?
Apesar do discurso mais moderado e das composições políticas obrigatórias, presidente eleito da Argentina não abandona estilo incendiário

Pobre Alberto Fernández. O presidente argentino esperava transmitir o poder agora no dia 10 com pelo menos um título, muito honroso, de não ter se envolvido em escândalos de corrupção. Em lugar de ressaltar sua honestidade, está sendo obrigado a disputar o embaixador no Brasil, Daniel Scioli, com ninguém menos que Javier Milei.
“Para qualquer um que tenha trabalhado em nosso governo, tem que ser objetivamente impossível trabalhar com Milei”, reclamou ele diante da possibilidade de que o embaixador, com ótimo trânsito no governo petista, continue no privilegiado cargo.
Nesse caso, Fernández tem razão. É impossível mesmo, mas todo mundo já viu que Milei não segue a lógica habitual. Sua viagem aos Estados Unidos foi uma prova disso. Principal compromisso: visitar o túmulo de Menachem Mendel Schneerson, um venerado Rebe (um rabino que sabe muito mais do que os comuns), considerado por seguidores nada menos do que o Messias.
De quipá na cabeça, ele deixou sua carta no túmulo, como continuam a fazer milhares de judeus para quem Schneerson era, se não o Messias, um mestre iluminado e miraculoso.
Milei já contou que começou a se interessar pelo judaísmo quando foi contratado para dar um curso de economia particular a um jovem judeu. Impressionado com a capacidade de análise e o brilho das perguntas do aluno, ouviu dele que isso vinha de seus estudos para se tornar rabino. Passou a estudar a religião e hoje há dúvidas se se converteu ou não.
O judaísmo não é uma religião que procure convertidos, como as outras grandes fés monoteístas, o cristianismo e o islamismo. Em alguns setores, existe até um certo mal estar: se Milei for um grande fracasso, isso pode contaminar a situação dos judeus argentinos – e nem é preciso dizer que o momento já é extremamente delicado, com a guerra de Israel contra o Hamas.
O que nos leva à questão essencial: pelo que fez desde sua eleição, Milei indica que vai tocar fogo no circo ou tem uma pequena, quase invisível chance de dar certo?
É difícil cravar. Muito depende de sua aliança com Mauricio Macri e a frente oposicionista, já rachada por causa desse apoio. Sem os votos dos aliados, fatalmente destinados à ruptura, pelas leis inexoráveis da política, ele pode fazer muito pouco.
O jornal La Nación organizou uma lista do que é possível um presidente fazer sem aprovação do Congresso. Não dá: fechar o Banco Central, dolarizar a economia, privatizar empresas públicas, abandonar em parte o controle cambial, derrogar a lei dos aluguéis, cortar impostos. Dá para subir as tarifas públicas. Ou seja, Milei só pode fazer uma medida, por óbvio, extremamente impopular. Milei já disse que vai fazer um ajuste de proporções históricas, com um corte de gastos à razão de 15% do PIB, e que as medidas de combate à inflação demorarão até dois anos para produzir resultados.
Os argentinos aguentarão até lá? Dificilmente. A vida já está duríssima com a terra arrasada que o atual governo criou, mas a partir de 11 de dezembro tudo será debitado na conta de Milei.
Em sua primeira semana, Milei já chegou perto da ruptura com a sua vice-presidente, Victoria Villaruel, por tirar dela o ministério da Segurança Pública, entregando-o à ex-adversária Patricia Bullrich. Perdeu nomes que eram considerados importantes, como o ex-futuro presidente do Banco Central. A pasta da Economia está, por enquanto, com Luis Caputo, conhecido pelo apelido de Toto e destinado a ser um figurante. O verdadeiro ministro será, obviamente, Javier Milei, um raro caso de economista eleito presidente.
“O triunfo na guerra não depende da quantidade de soldados, mas das forças que vêm do céu”, repetiu ele durante a campanha, apelando a uma citação do Livro dos Macabeus. Uma pequena intercessão do Rebe Schneerson, propagador de um braço importante do judaísmo hassídico, os lubavitchers, bem que ajudaria.