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Malandro é malandro, Manet é Manet: e é racista também?

Modernos, como sempre, atrasados. A discussão do momento é sobre a “reconceitualização” da modelo negra do impressionista. Adivinhem por quê?

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 20h45 - Publicado em 14 set 2017, 08h27
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  • Vamos começar com um segundo de silêncio em sinal de solidariedade aos dirigentes de instituições financeiras que dão ouvidos a curadores de arte contemporânea e patrocinam exposições com o dinheiro dos outros. Pronto, acabou.

    Mas já deu para perceber que não estamos falando dos Medici e do original método que  o fundador da dinastia, Giovanni di Bici, criou para ter um banco sem incorrer no pecado da usura.

    Além de contornar brilhantemente o oxímoro, tarefa em que emplacar dois papas da família ajudou, os banqueiros florentinos deram ao mundo o Renascimento. Quer dizer, financiaram.

    Infelizmente, no caso do fim abreviado da exposição no Rio Grande do Sul, não existem banqueiros esclarecidos, mestres renascentistas  ou mártires da livre expressão artística envolvidos.

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    Fora os desavisados, que acharam uma boa ideia imitar duas exposições internacionais tolamente ideologizadas, os descobridores do valor do artigo primeiro da Constituição (americana, claro) estão provando um bocado das próprias toxinas.

    Boicotar financiadores de determinadas formas de manifestação é um dos métodos mais celebrados pelo pessoal do progressismo. Intelectuais e artistas do mundo inteiro apoiam o BDS, um movimento para boicotar e cortar investimentos num país inteiro, Israel. Está cheio de brasileiros bacanas.

    Fora o aspecto inerentemente odioso do BDS, não comprar um produto ou serviço em sinal de protesto é um recurso legítimo. Embora nem sempre dê muito certo, como uma tentativa de detonar produtos da marca de Ivanka Trump, que redundou num aumento de mais de 500% das vendas.

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    Protestar contra o uso de imagens religiosas ou a sexualização de crianças não é, em si, manifestação de brutalidade cultural.

    Violência é dinamitar Budas milenares (Afeganistão, 2001), incendiar embaixadas (Beirute, 2006, como se a diplomacia dinamarquesa respondesse por atos individuais de cartunistas), fuzilar uma redação inteira (Paris, 2015).

    Isso que os desenhos do profeta nem tinham sido feitos com excrementos de elefante e cercados por imagens pornográficas como a  Nossa Senhora de Chris Ofili exposta no Brooklin em 1999, para desgosto de Rudy Giuliani, prefeito na época.

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    Hoje, os modernos não estão nada dispostos a se sacrificar no altar da livre expressão se não for uma expressão com a qual concordam (diversidade, gênero e todo o resto).

    Está na moda no eixo Harvard-Oxford, igualmente macaqueado em outras paragens, derrubar estátuas, proibir palestras e banir obras de “homens brancos” .

    Alunos dos curso de poesia inglesa de Yale fizeram em junho um abaixo-assinado contra os seguintes branquelos: Chaucer, Spenser, Shakespeare, Donne, Milton, Pope e T.S. Elliot. E estamos conversados.

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    Um dos exemplos invocados no caso atual foi o do obcecado Manet e o choque pictórico e temático que suas duas peladonas, a do Almoço na Relva e Olímpia, provocaram (na verdade, a mesma mulher, a modelo profissional Victorine Meurent, que também era pintora e nada inovadora, como indica seu único quadro conhecido).

    O caso de Manet não é um exemplo antenado com os modismos. Nada surpreendentemente,  colocar uma mulher nua entre dois homens vestidos, como no primeiro quadro, hoje é considerado  estereótipo de gênero e exploração do corpo feminino. Na exposição gaúcha, entraria como mau exemplo.

    Para não falar na criada negra que atende Olímpia, a prostituta desafiadora pintada de forma chapada. Esta “pouco documentada mulher de cor”, modelo conhecida apenas como Laura, também foi retratada por Manet no quadro La Négresse, um título que hoje seria impensável

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    Laura está passando por uma “reconceitualização” em papers  da academia americana. Conclusão? “As pinturas de Manet consistentemente confinavam mulheres de cor a situações que o artista considerava apropriadas para sua raça, classe e gênero.”

    Mais um pouco e Olímpia vai acabar no mesmo desmanche das estátuas dos confederados. Por enquanto, continua a salvo no Musée d’Orsay – embora nunca, jamais tenha existido um único modismo americano não adotado pela Europa, palavra de Michel Houellebeck.

    O momento está mais para o atribulado período em que  os Medici foram colocados para correr por Savonarola, o frei dominicano horrorizado com as libertinagens – e a usura –  correntes em Florença.

    Libertinagens, hoje, só as que  obrigatoriamente “celebram a diversidade”.

    Uma pergunta: se a Laura pintada por Manet era discriminada, inferiorizada e estereotipada, o jovem negro em situação de dupla penetração na exposição gaúcha é o quê?

    Uma sugestão: os indignados com o fechamento antecipado da exposição  deveriam votar com o bolso e bancar uma exposição itinerante das obras do “salão dos recusados”. Quem quiser, vai. Quem não quiser, não vai.

    E uma certeza: não tem nenhum Manet entre elas.

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