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Mais futebol e política: envenenamento e governo por um fio

Inglaterra ferve, May está nos estertores e nem o príncipe William pode assistir jogos da Copa por causa de operação clandestina russa que agora matou uma

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 20h24 - Publicado em 9 jul 2018, 09h37
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  • Está certo que nada se compara ao domingo em que o Brasil quase derreteu, mas a Inglaterra está muito bem no quesito emoções fortes. E ainda disputando a Copa do Mundo, com todos os atributos tribais típicos, num calor atípico de mais de 30 graus.

    Duas correntes de acontecimentos extrafutebolísticos estão convergindo para criar um ambiente de altíssima temperatura política. Primeiro, é o caso da operação conduzida pelo serviço de inteligência da Rússia para assassinar o ex-espião Sergei Skripal, atingindo colateralmente sua filha Yulia.

    A tentativa de assassinato aconteceu em 4 de março, com o uso do mais letal de todos os agentes neurotóxicos, o Novichok.

    Espantosamente, Skripal e a filha, que morava na Rússia e estava em visita ao pai, sobreviveram.

    É provável que os autores do atentado aspergiram o Novichok, sob a forma de um pó finíssimo, na maçaneta da casa de Skripal em Salisbury. Para terem tempo de fugir do país, aplicaram o virulento agente neurotóxico, com uma seringa, em pequena quantidade.

    Skripal  e a filha só começariam a manifestar os sintomas algumas horas depois de sair de casa, quando os assassinos já estavam fora do país. Este detalhe salvou a vida de pai e filha, que conseguiram se recuperar, através de tratamento médico intensivo, do estado crítico em que ficaram.

    Ambos já deixaram o hospital, mas só Yulia apareceu em fotos e vídeo, ainda com as marcas de uma traqueostomia.

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    Na corrida contra o tempo, os assassinos russos – já identificados, mas não publicamente expostos –  provavelmente descartaram o frasco e a seringa num parque perto da casa de Skripal.

    Na sexta-feira, 29 de junho, uma moradora da região, Dawn Sturgess, de 44 anos, provavelmente achou o pacote no parque frequentado por viciados.

    Ela e o companheiro, Charlie Rowly, usavam heroína e viviam em condições tristes, misturando drogas e álcool. Ela chegava a pegar bitucas de cigarro nas ruas. Devem ter associado a seringa à droga e tocado ou até injetado o agente neurotóxico.

    Em estado de alucinação e espumando pela boa, exatamente como Skripal e a filha, o casal foi internado no mesmo hospital de Salisbury. Dawn morreu ontem.

    RELAÇÕES ENVENENADAS

    Desde o ataque contra Skripal, um espantoso ato de guerra praticado em território estrangeiro, o governo da primeira-ministra Theresa May articula represálias contra a Rússia. Foi apoiado, especialmente, pelos Estados Unidos, com a expulsão em massa de espiões que agem com cobertura diplomática.

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    O ataque e a reação de excepcional cinismo, até pelos padrões habituais do governo Putin, obviamente envenenaram as relações entre Reino Unido e Rússia.

    A seleção inglesa foi para a Copa sem nenhum representante do governo britânico sentado nos camarotes para VIPs. Nem o príncipe William, que é presidente da Football Association, pode ir à Rússia.

    A inesperada classificação da seleção inglesa para a fase semifinal e o assassinato  de Dawn Sturgess, mesmo que não tenha sido doloso, criam uma dimensão mais extremada ainda.

    Como se não fosse suficiente, Theresa May arrancou a autorização de sua equipe para a proposta britânica para o Brexit. Nada surpreendentemente, diante da complexidade do tema, ela conseguiu deixar todos insatisfeitos.

    Mas os mais insatisfeitos de todos são os brexistas convictos – ao contrário dela, considerada uma continuísta no armário, embora nunca, jamais revele as verdadeiras convicções.

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    Os conservadores são, de modo geral, divididos entre os 75% que consideram o Brexit essencial param preservar a independência nacional e 25% que acham que ruim com a União Europeia, pior sem ela.

    O plano de May foi considerado ruim exatamente para David Davis, o ministro designado com a funções específica de acompanhar a saída da União Europeia. Davis teve a honradez de renunciar, ao contrário de outros que ficaram reclamando em off.

    Theresa May, que assumiu o governo num ambiente de boa vontade e com altos índices de aprovação, está no chão, tanto pelo tamanho da encrenca que precisa conduzir quanto por erros desnecessários.

    O maior e mais desastroso foi convocar uma eleição achando que sairia mais forte, com um mandato incontestável para proceder às negociações sobre o Brexit. Ao contrário, saiu mais fraca, perdendo a maioria do Partido Conservador no Parlamento, o que exigiu uma aliança com um obscuro partido norte-irlandês.

    Ela só não foi derrubada por seus pares, como é costume nos regimes parlamentares, ou pelos eleitores porque a alternativa é pior.

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    Jeremy Corbin, o líder do Partido Trabalhista, tem todos os defeitos do esquerdismo sem face humana e apenas uma de suas qualidades: um contato fácil com as camadas da base identificadas com as mesmas ideias, aquelas que pareciam inovadoras no fim do século 19.

    AMOR À CAMISA

    A surpreendente arrancada da seleção inglesa criou, como em qualquer país, um ambiente de entusiasmo e até de manifestações nacionalistas – exatamente o oposto do que Corbyn ou May desejariam agora, ele porque é um internacionalista ideológico, ela porque misturar Brexit e futebol não lhe  é politicamente conveniente nesse momento.

    Fora as bandeiras de São Jorge e as caras pintadas de vermelho e branco, espalham-se manifestações de “amor à camisa” que seriam normais em outros países, mas são vistas com maus olhos pelas elites britânicas.

    Um exemplo casual: um cartaz escrito a mão e deixado numa área de estacionamento num bairro popular de Londres. “A Inglaterra precisa ser respeitada pelos povos e nações que aqui encontraram um lar”, dizia o quadro, em estilo meio confuso, mas firme na mensagem: não é nada simpático torcer contra o time inglês, ainda por cima na cara deles.

    Como não pode ir à Rússia, o príncipe William fica divulgando tuítes entusiasmados. Em todas as monarquias contemporâneas, um dos principais atributos dos membros das famílias reais, proibidos de qualquer atividade política, é incentivar os esportes.

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    William preside a Football Association, a mãe de todos os organismos do gênero, fundada em 1863.

    Ele torce pelo Villa (nome íntimo do Aston Villa), um time que nasceu em Birmingham, acompanhando, como outros, a emergente classe operária nas tecelagens do centro da Inglaterra – no tempo em que aquele barbudo que morava em Londres, que continua a inspirar a turma de Jeremy Corbyn, tinha algo de novo a dizer a respeito.

    O jogo codificado nas universidade da elite – o eixo Oxbridge, ou Oxford e Cambridge – foi rapidamente incorporado pelo povão. A transformação de esporte amador, como exigiam os princípios do cavalheirismo, em atividade profissional surgiu exatamente entre visionários que divisaram uma forma de ganhar dinheiro

    Na frente do estádio do Villa, obviamente chamado de Villa Park, tem uma estatua de William McGregor, escocês que entrou para o negócio da tapeçaria em Birmingham e praticamente profissionalizou o futebol. Entre outras coisas, propôs que os jogos tivessem um limite de tempo e uma programação.

    Apesar da origem plebeia, o Aston Villa tem torcedores nas classes superiores, um fenômeno comum também no Brasil, entre os riquinhos que querem parecer cool.

    Nos esportes ainda elitistas, como o remo, os princípios do FairPlay predominam. Quando Oxford e Cambridge disputam a corrida anual – que tem grande público, como o polo na Argentina -, o time vencedor termina gritando vivas ao perdedor. E mais “três hip, hip, hurra”, um dos mais misteriosos gritos de não-guerra.

    No futebol, o pessoal habitualmente quer um pouco mais sangue, mas continua abominando truques sujos, milongueiros e encenadores. Uma amostra, escolhida entre tantas por sua representatividade,  do que foi dito a respeito de um conhecido time nos comentários dos leitores, geralmente as seções mais interessantes:

    “A partir de Pelé, o Brasil foi admirado, muitas vezes de má vontade, como um grande país do futebol por jogar com classe e brilho difíceis de emular. Existe sempre a expectativa de que seu time e os indivíduos produzam um futebol excepcional, de acordo com o espírito do jogo. Isso acabou. Neymar em particular e outros trouxeram descrédito a si mesmos, a seu time e a seu país, e agora se tornaram sinônimo de cambalacho e desonestidade. Uma reputação que levou 60 anos para ser construída, foi destruída em três semanas.”

    Se Theresa May acha que tem problemas…

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