Cientistas discordam e não são movidos apenas por divergências técnicas. Simpatias políticas também pesam. Esta é uma das principais lições que os leigos descobriram entre tantos fatos novos que esta pandemia nos obrigou a aprender.
Enquanto as medidas contra a covid-19 vão sendo desativadas na Europa e nos Estados Unidos, com a Inglaterra chegando a um invejável mundo novo com restrições zero, a intensa politização de assuntos médicos e científicos não reflui.
Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias é um estudo feito pelo professor americano Steve Hanke, fundador do Centro de Economia Aplicada da universidade John Hopkins, e dois economistas escandinavos, o dinamarquês Jonas Herby e o sueco Lars Jonung.
O estudo está na fase inicial, sem ter passado pela revisão de pares – mas já submetido ao crivo da imprensa, com a a previsível partidarização.
Hanke, que também é do libertário Cato Institute (onde dirige o maravilhosamente chamado Projeto de Moedas Problemáticas, o que o tornou um especialista em Argentina), e colegas fizeram uma meta-análise, um estudo sobre outros estudos referentes à eficiência das medidas de restrição de movimentos, como o fechamento do comércio e outras atividades não essenciais, o trabalho remoto e a limitação de deslocamentos.
Conclusão mais bombástica: os lockdowns diminuíram em apenas 0,2% o número de mortes causadas pelo vírus. Ficar em casa, saindo apenas para atividades obrigatórias, teve um resultado um pouco maior: 2,9% de mortes evitadas.
Não é um trabalho de amadores. Começou com 18 590 estudos potenciais, dos quais 34 foram considerados aplicáveis à proposta, número finalmente reduzido para 24, divididos em três categorias.
A metodologia do estudo foi imediatamente contestada. Neil Ferguson, apelidado de “Professor Lockdown”, pelos conselhos baseados em modelos catastróficos que deu ao governo britânico (embora não os tenha seguido, tendo tido encontros amorosos especificamente patrulhados), criticou severamente o estudo, inclusive pela definição de lockdown como “imposição de uma ou mais intervenções não farmacêuticas obrigatórias”.
Seth Flaxman, professor de computação em Oxford, foi mais cortante:
“Fumar causa câncer, a terra é redonda e mandar as pessoas ficar em casa (a definição correta de lockdown) diminui a transmissão de doenças. Nada disso é controvertido entre cientistas. Um estudo que pretende provar o oposto é quase que com certeza fundamentalmente errado”.
Outros dois economistas americanos discordam. Erick Randolph e Vance Ginn, ambos ligados a instituições conservadoras, estudaram a correlação entre as diversas medidas restritivas entre estados americanos e as consequências sanitárias e econômicas.
“Nossa pesquisa não encontrou correlação entre a severidade do fechamento de atividades imposto pelos governos estaduais e o índice de hospitalizações e morte por covid-19”.
“Estados que impuseram medidas econômicas mais severas, como Havaí, Nova York, Califórnia e Novo México, sofreram perdas de emprego maiores do que os estados que impuseram medidas menos severas, como Dakota do Sul, Iowa, Nebraska, Missouri e Utah”.
“Por exemplo, Nova York estava 10,2% abaixo de sua trajetória em outubro de 2021, enquanto Nebraska estava apenas 2,4%”.
Os efeitos econômicos deletérios das restrições contra a covid são autoevidentes. Analisar o seu impacto sobre o fato mais importante – o número de vidas que salvaram – pode ser, ou já está sendo, sujeito a discussão.
Segundo um estudo de junho de 2020 do Imperial College, o do professor Neil Fergunson, o lockdown e o fechamento das escolas preveniram 3,1 milhões de mortes em onze países europeus.
Não dá para brincar com números assim. Mas dá para estudá-los, analisá-los ou até contestá-los, para acima de tudo, aprender com eles. Assim progride o conhecimento humano.