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Justiça ou vingança? Penas exageradas indicam castigo maior para direita

É possível pegar pena dura de cadeia por ter assistido da calçada os protestos anti-imigração ou dito insulto a Alá? Está acontecendo na Grã-Bretanha

Por Vilma Gryzinski 16 ago 2024, 06h47

Todos os quebra-quebras, agressões a policiais e desordens similares precisam ser punidos, venham de onde vier. Mas as penas de prisão a protagonistas – ou simples testemunhas – dos protestos anti-imigração desencadeados na Inglaterra depois da morte por esfaqueamento de três menininhas durante uma aula de dança mostram que o castigo é maior quando a anarquia parte da direita.

Quando a origem é na esquerda, como aconteceu durante a onda de protestos violentos do Black Live Matters, nem sequer são punidos. Ao contrário, Keir Starmer, que era líder da oposição trabalhista e hoje é primeiro-ministro, endossou-os. Chegou a se ajoelhar diante de câmeras, com grande espetaculosidade, para mostrar apoio.

O mesmo acontece nos Estados Unidos, com os autores de distúrbios na invasão do Congresso, em 6 de janeiro de 2021. Houve até o caso de Enrique Tarrio, líder do grupo de extrema-direita Proud Boys, condenado a 22 anos de prisão. Detalhe: ele nem estava em Washington quando o Capitólio foi invadido. Pessoas comuns, sem nada da ideologia odiosa como a do Proud Boys e outros grupos extremistas, pegaram penas desproporcionais, incompatíveis com a imparcialidade da justiça.

Agora o processo se repete na Inglaterra e outros países do reino, depois das violentas manifestações que reuniram figuras da extrema-direita, cidadãos desvinculados desses grupos mas revoltados com a morte hedionda das meninas, oportunistas que aproveitaram a baderna para saquear lojas e simples curiosos, como um homem que estava assistindo os distúrbios de uma calçada em Dublin e se danou.

Piadinha: havia também os que confundiram “White power” com “White power”; quem já viu um bando de hooligans, entende.

ERRADO E ERRADO

No conjunto, as penas já passam de cem anos, reforçando a impressão de que existem dois pesos até mesmo no que deveria ser um inatacável sistema judiciário. Um, condescendente quando são protestos de esquerda ou manifestações contra Israel, onde se clama pela morte dos “sionistas”. Outro, implacável, para os baderneiros de direita.

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David Spring, de 61 anos, gesticulou para policiais gritou um slogan ofensivo que se tornou comum entre os mais extremistas – “Alá, Alá, que ***** é Alá?” –, referência aos gritos de “Allahu Akbar” em protestos de muçulmanos. É horrível ofender sentimentos religiosos, mas não criminoso. Pelo menos, era. Spring pegou um ano e meio de cadeia.

“O que você fez poderia incentivar e de fato incentivou outros a participar de desordens”, disse o juiz Benedict Kelleher, dentro do sistema britânico de passar sermão diretamente ao réu.

Alguém imaginaria castigo remotamente semelhante para a lésbica obesa que usa o nome artístico de Barbara Butch e encarnou Jesus na paródia da Santa Ceia, com drag queens no lugar dos apóstolos, na abertura das Olimpíadas de Paris? Nem pensar, obviamente. Quem acabou reclamando foi ela, ao denunciar que estava recebendo ameaças.

Na Inglaterra, teve também um casal gay que “dançou e gesticulou na frente de policiais”. Um ano e dois meses de cana.

E o que aconteceu com a mulher que gritou “Morte a todos os judeus” numa manifestação contra Israel? Não está, definitivamente, com nenhum problema.

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Todas as pessoas conservadoras, por definição defensores da ordem, têm que dizer que é errado, errado e errado fazer baderna, agredir policiais e até atacar um hotel onde estrangeiros aguardavam o processamento de pedidos de asilo. Isso inclui o menino de doze anos acusado de desordem.

ESTADO DE DIREITO

Os casos de punições por postagens ou repostagens são mais complicados. Passar adiante um post que tem informação errada – no caso, incendiária, como a que atribuía os assassinatos das meninas a um imigrante ilegal de nome árabe – é crime? Deve ser punido com cadeia? São questões que precisam ser discutidas com a seriedade que tudo concernente à liberdade de expressão exige.

A justiça tem que seguir os princípios da proporcionalidade. Caso contrário, se desmoraliza. Também não pode sofrer interferência, como a que foi atribuída ao primeiro-ministro Keir Starmer, ex-procurador-geral que se tornou arauto da punição exemplar.

“Todas as pessoas decentes concordam que os distúrbios foram execráveis e que os participantes precisam ser punidos. Mas certamente podemos nos preocupar com ingerência do governo na administração da justiça, o uso da lei como instrumento de mensagens políticas e a sede de soluções autoritárias para problemas sociais complicados”, escreveu Brandon O’Neill na Spectator.

Com algum exagero, mas refletindo a questão de fundo, David Frost resumiu no Telegraph: “Diga qualquer coisa errada, do jeito errado e na hora errada, e qualquer um de nós pode encontrar a polícia na porta”.

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Se está acontecendo na Inglaterra, um país com tradição de formação progressiva, ao longo de séculos, do Estado de Direito, um processo que remonta a 800 anos, com as primeiras raízes plantadas pela Magna Carta, imaginem em outros lugares onde a casquinha de civilização é mais fina.

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