“Desgraçados, enquanto vocês voltam para a lavagem de dinheiro, nós lutamos para arrecadar cada rublo para comprar blindagem para nossos rapazes na frente de combate”.
Este foi um dos comentários feitos na rede social da linda e loira porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Sakharova.
O que ela havia feito de errado? Baixou uma música patriótica que estava sendo cantada durante as comemorações dos 875 anos da fundação da cidade de Moscou.
Maria Sakharova normalmente é criticada por passar uma versão quase alucinada da realidade segundo o Kremlin, bem ao estilo agressivo de seu chefe, Serguei Lavrov.
Mas virar alvo dos nacionalistas mais extremados é uma novidade na carreira dela – e, obviamente, na de Vladimir Putin, celebrado como o salvador da mãe Rússia das graves sequelas do pós-comunismo e restaurador do orgulho nacional.
Manipular os profundos sentimentos nacionalistas da população russa foi um dos instrumentos usados logo no início da invasão da Ucrânia para isolar e lançar no ostracismo as pessoas que eram contra a guerra.
A oposição vinha dos centros mais liberais e identificados com valores democráticos do mundo ocidental. Foi calada na base do cassetete, das penas de prisão e dos portões dos aeroportos: cerca de 500 mil russos foram buscar ganhar a vida em outros lugares, frustrados e desiludidos não só com as ambições cada vez mais imperiais de Putin como com o apoio enorme que ele tinha junto à população.
É uma ironia tremenda que agora as críticas mais violentas partam exatamente dessa população, revoltada com o papelão que um exército legendário está fazendo na guerra contra um país muito menor.
Outra ironia: Volodymyr Zelensky, a quem Putin mandou recado, através de Emmanuel Macron, que seria “esmagado”, foi cantar o hino nacional em Izium, uma cidade recém-reconquistada na região de Kharkiv (outra prova, dizem os admiradores mais entusiasmados, de que ele tem uma certa parte da anatomia masculina feita de “ukranium”, material inventado para simbolizar coragem ímpar).
Segundo o New York Times, Zelensky queria que o exército ucraniano lançasse um ataque grande, que desse uma prova de força, na região sul. Teve a inteligência de se deixar convencer pelos comandantes militares que havia uma oportunidade única – e surpreendente – de uma contraofensiva em Kharkiv.
Deu tão certo que até os ucranianos ficaram surpresos com a rapidez com que soldados russos recuaram, fugiram ou se renderam.
Enquanto Zelensky dizia, sob real risco de vida, que o “único caminho que temos é para a vitória”, o Czar Intergaláctico, apelido irônico dado a Putin, sumia do mapa.
As comemorações em Moscou foram particularmente ofensivas para os ultranacionalistas. Dois grupos de hackers invadiram o site da “maior roda-gigante do mundo”, uma atração inaugurada na capital que teve alguns problemas.
“Consideramos profundamente inadequado que enquanto nossos rapazes morrem na frente de combate, a podre intelligentsia liberal solte fogos e desfrute o ócio na capital da nossa pátria”.
A mãe-pátria, em elemento tão poderoso na psique coletiva russa, também foi citada por Igor Girkin, ex-militar ultranacionalista que escreve um blog que virou obrigatório por resumir os sentimentos de revolta diante das derrotas na Ucrânia.
“Esta noite, Moscou, a capital da nossa pátria, vai comemorar a rendição de Balaklia, Izium e metade de Kupiansk com 25 mil fogos de artifício”, ironizou.
A Rússia já está retaliando o desastre de Kharkiv com mísseis lançados unicamente por vingança, para destruir usinas elétricas e estações de distribuição de água em diversas cidades ucranianas.
Exatamente o que fizeram os iraquianos quando varridos para fora do Kuwait.
O maior ataque foi contra Krivi Rih, a cidade natal de Zelensky. Oito mísseis cruzeiro provocaram a ruptura de uma barragem, inundando cerca de cem casas. Não bastará para os ultranacionalistas que pregam a destruição maciça de toda a infraestrutura ucraniana, mas ´´mais uma prova do que os russos consideram honra no campo de combate.