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Fui: agora não tem volta e Brexit vai enfrentar a parte difícil

Que é a realidade de mais um ano de negociações, com a população dividida, como sempre, mas um governo bem sustentado e até uma certa expectativa positiva

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jan 2020, 08h46 - Publicado em 30 jan 2020, 08h46
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  • Tudo o que Winston Churchill disse virou lugar comum, mas é irresistível repetir: às 11 horas da noite de amanhã, é o fim do começo do Brexit.

    Para chegar ao fim mesmo, tem mais um ano de transição, com negociações da pesada sobre como será a saída real, com novos acordos comerciais – ou não – entre a ovelha rebelde que deixou o rebanho e o resto da União Europeia.

    Mas agora não tem volta, os respectivos parlamentos aprovaram a separação.

    Teve até no Parlamento Europeu a melancólica canção Auld Lang Syne, obrigatória nos finais de ano e filmes de guerra do passado (no Brasil, Valsa da Despedida: “Adeus, amor/ Eu vou partir/ Ouço ao longe um clarim”; não exatamente o mesmo que o original em escocês).

    Não vai ter festa nem o Big Ben soará suas badaladas históricas, como queria o primeiro-ministro Boris Johnson.

    Ao contrário, a parte do reino que não queria sair de jeito nenhum está de luto. E até aqueles que queriam, existe um sentimento de coração apertado.

    As pesquisas confirmam isso. A mais recente perguntou: “Olhando para trás, foi certo ou errado votar por sair da União Europeia?”.

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    Respostas: errado para 47% (um resultado muito parecido com o do plebiscito de 2016); certo para 40%. Não sabem: 13%.

    Talvez sejam os mais realistas.

    O divórcio tem dimensões gigantescas. As possibilidades negativas são de abalar o mais gélido sangue frio inglês.

    As positivas dependem de negociações vastíssimas, boa vontade de (quase) estranhos, confiança para refazer parcerias, circunstâncias incontroláveis da economia mundial.

    Se um vírus respiratório na China ameaça encolher o PIB em países do outro lado do planeta, imaginem o Brexit.

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    Como os britânicos vão continuar a vender os carros, peças e outros manufaturados – quase a metade da produção total – que entravam livremente no mercado comum? E a receber o movimento inverso?

    A Honda britânica fez o cálculo mais assustador na fase pré-Brexit, em 2017: cada 15 minutos de atraso na alfândega custariam 850 mil libras por ano.

    E deu um número: a montadora recebe 350 caminhões transportando componentes por dia.

    Deixará de recebê-los porque a fábrica vai fechar em 2021.

    E a City, o pulsante coração financeiro de alcance global, sede “para a Europa” dos maiores bancos do mundo, com concorrentes como Frankfurt e Paris loucos para atrair suas estrelas?

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    Continuar com as mesmas regras da União Europeia, aproveitar a maior flexibilidade facilitada pelo Brexit? Mudar de planeta?

    Em compensação, depois da histórica vitória eleitoral em dezembro, 49% da população britânica apoiam o Partido Conservador de Boris Johnson. A oposição trabalhista fica vergonhosos 20 pontos atrás.

    O povo quer que a coisa dê certo, mas capital político vira fumaça muito rapidamente e não existe um único profissional do ramo que não saiba disso.

    A vitória dos tories, como são chamados os conservadores, na eleição de dezembro, que deu a maioria necessária para passar o Brexit no Parlamento britânico, veio em boa parte de eleitores tradicionais do Partido Trabalhista que simplesmente mudaram de lado pela primeira vez na vida.

    Muitos foram diretamente atingidos pela brilhante estratégia de Dominic Cummings, o gênio esquisitão que bolou a campanha original em favor do Brexit.

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    Cummings mirou, distrito por distrito, as pequenas cidades decadentes da região norte da Inglaterra, abandonadas pelas transformações econômicas e pelo enxugamento dos serviços públicos.

    Como cumprir a promessa de redinamizar lugares que parecem irrecuperáveis e ao mesmo tempo correr os enormes riscos envolvidos no Brexit, refundar – ah, que palavrinha – uma economia acomodada às regras comuns desenvolvidas ao longo dos últimos cinquenta anos?

    É, realmente, de dar um frio na barriga.

    O artigo que não faltou a Boris Johnson para se declarar capaz de fazer tudo isso foi autoconfiança.

    Nem aos eleitores que votaram pelo Brexit e, depois de tanta enrolação, lhe deram um mandato para realizar o que as urnas determinaram.

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    Em vários sentidos, a percepção, muito bem fundamentada, de que o sistema da União Europeia estava capturando a soberania nacional pesou muito mais na opção pelo Brexit do que as considerações econômicas.

    Mais complicado é explicar por que 80% dos donos de pequenas empresas estão se sentindo “muito otimistas” em relação a 2020. E 45% estão esperando ampliar mercados na própria Europa.

    Será mais uma excentricidade inglesa ou o pessoal com o pé mais perto do chão sabe alguma coisa que todos os figurões que fizeram campanha contra o Brexit até não poder mais não sabiam?

    Cada pequeno tropeço será ampliado por todas as forças que estão de luto, cada avanço se diluirá no quadro geral.

    Espetacularmente vitorioso há um mês, Boris Johnson pode muito bem acabar no buraco que tem devorado primeiros-ministros nos últimos quatro anos como se fossem sanduichinhos de pepino.

    Menos de uma semana antes da data histórica, desafiou os Estados Unidos e muitos de seus próprios colegas ao aprovar a Huawei como fornecedora de parte da infra de 5G no Reino Unido.

    Trocar a União Europeia pela China não é exatamente um assomo de independência. Mas é o que tem para o momento.

    Vem aí mais um ano disso. E de outras surpresinhas.

    Se Deus salva a rainha Elizabeth II há 93 anos de idade e 66 de reinado, há de ter um tempo extra para dar um fôlego novo à “sceptred isle”, a terra de majestade, o lugar abençoado, “este reino, esta Inglaterra” que Shakespeare fez seu duque de Lancaster cantar.

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