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França, Itália e Alemanha resistem à loucura das palavras “inclusivas”

Europeus rejeitam modismo que começou nos Estados Unidos, uma mudança da língua feita de cima para baixo, das elites para o povão

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 15 Maio 2024, 23h47 - Publicado em 19 jun 2023, 07h50
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  • “Cada vez que um apresentador de noticiário usa a linguagem sensível aos gêneros, mais algumas centenas de votos vão para a AFD”.

    Assim resumiu a encrenca o líder democrata-cristão Friederich Merz, da direita tradicional, referindo-se ao avanço do partido de direita nacionalista, o Alternativa para a Alemanha, conseguido simplesmente pela revolta de eleitores comuns com as maluquices politicamente corretas que pretendem inverter a dinâmica das línguas, organismos vivos que mudam de baixo para cima, com mudanças impostas de cima para baixo.

    E a coisa está funcionando: segundo a mais recente pesquisa, 18% dos alemães apoiam atualmente o AFD, um choque para todo o resto do espectro político.

    Em alemão, um idioma com palavras conglomeradas em blocos, a novilíngua é mais complicada ainda. Para se referir aos espectadores sem usar a forma masculina, que engloba tudo, apresentadores de televisão têm que usar a seguinte versão supostamente inclusiva: Zuschauer*inner. Antes que o modismo americano batesse até na língua de Goethe, Zuschauer bastava.

    Professores viram Lehrer*inner. Trabalhadores estrangeiros (ou estrangeires), Arberitgeber*inner.

    A tendência natural das línguas à simplificação, mesmo no alemão, é assim contrariada.

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    “Todo esse debate sobre gênero é uma pomposidade de pessoas que não fazem ideia do que é a língua”, reclamou recentemente o conhecido apresentador Wolf Schneider, citado pelo Telegraph.

    Nas línguas latinas, que têm flexão de gênero, como o português, o debate fica ainda mais surreal.

    A maior prova disso é que os defensores da linguagem falsamente inclusiva querem impor o uso de abominações como “todes” ou “menines”, como na Espanha — é claro que fomos correndo copiar —, mas quando uma palavra é neutra, como presidente, defendem a flexão feminina, presidenta — desde, claro, que a envolvida seja de esquerda; se for de direita, tendem a usar algum adjetivo ofensivo.

    Na França, foi um auê quando um dos mais tradicionais dicionários, o Le Robert, passou a incorporar o pronome “iel” como alternativa aos tradicionais, “il” e “elle”, ele e ela.

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    Até Brigitte Macron, que sensatamente procura evitar polêmicas, opinou: “Ele e ela, já está bom. A língua é tão bela. Dois pronomes bastam”.

    Detalhe: ela foi durante toda sua vida profissional professora de literatura — e das boas, atestam ex-alunos — e também dava aulas de teatro quando conheceu o marido, ainda estudante. Hoje, dá aulas de francês num projeto para jovens adultos.

    O ministro da Educação na época em que eclodiu o debate linguístico, Jean-Michel Blanquer, foi mais incisivo: “Querem triturar o francês”.

    “A escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”, estrilou.

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    “É o ápice da loucura, apresentado sob a bandeira do politicamente correto”, concorda um abaixo-assinado que corre na Itália contra uma iniciativa semelhante — e mais indigente ainda, como se fosse possível. 

    Em lugar de “lui” e “lei”, os pronomes pessoais teriam a vogal central substituída pelo “schwa”, semelhante à letra “e” invertida. O schwa é usado no Alfabeto de Linguagem Fonética — aqueles hieróglifos que ninguém entende — para representar o som entre “a” e “e” que é muito comum na língua inglesa. Sequer existe um som parecido em italiano.

    As consequências de obrigar os italianos a pronunciar um som alheio ao idioma de Dante seriam “involuntariamente cômicas”, diz o acerbo abaixo-assinado, que tem o apoio das presidente da Accademia della Crusca, equivalente à Academia de Letras.

    A inclusividade de gêneros já acontece na prática de forma natural, não forçada pela ideologia “woke” — uma palavra importada diretamente dos Estados Unidos que tende a deixar muitos franceses loucos da vida e prever, algo exageradamente, o fim da civilização ocidental, entre outros males.

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    Diante do total predomínio feminino no professorado, por exemplo, é comum que suas congregações sejam tratadas como “professoras” — mesmo que existam representantes do cromossoma XY entre elas.

    Diplomatas, artistas, juristas, analistas, economistas, massagistas, estetas e, claro, jornalistas, entre outras atividades terminadas em “a”, deveriam mudar para o “e” em nome da inclusividade?

    Seria, obviamente, uma estupidez. 

    É conservadorismo, ou até reacionarismo, resistir às mudanças “woke”? Acabaremos “todes” dizendo “todes”?

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    Conservar um patrimônio comum como a língua não significa zelar por um monumento imutável. Aliás, querendo ou não, weekend, outdoor, aids, covid, sexy, shorts, sale, wifi, reset e web estão organicamente instalados nas línguas ocidentais, para desespero dos puristas. E também compliance, uma palavra que nem tinha sinônimo para significar a adesão aos mandamentos éticos das empresas.

    Mudanças boas, como a condenação ao assédio sexual em geral e nos ambientes de trabalho em particular, e à discriminação de todo tipo não podem ser obscurecidas pelos absurdos do “wokismo”, um exagero tão anglo-saxão que nem tem tradução. 

    Décadas atrás, se diria conscientização — uma palavra comprida demais e, em muitos sentidos, ultrapassada. Exigia, por exemplo, que todo mundo lesse Marx — ou pelo menos os textos principais — e os mais relevantes comentários a respeito. Tudo analisado em grupos de estudos. Depois, ainda tinham que militar muito para ganhar o direito de se declarar “marxistas”. Eram, na maioria, universitários mimados, como “todes” que hoje querem impor mudanças linguísticas da elite para o povão, e tinham o resto da vida para se arrepender. 

    Já na língua conspurcada por asneiras, o arrependimento não apagará o que já foi escrito.

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