“Agora o governo entrou em sintonia com o que a América de verdade já sabia desde o começo”, ironizou o deputado republicano Jim Jordan.
A América de verdade e a lógica mais elementar: se uma epidemia viral começou numa cidade onde existia um grande centro de estudos sobre vírus, inclusive os da família corona, não era exatamente difícil unir os pontos.
Na falta de provas incontestáveis e diante da extrema politização que engolfou todos os aspectos da pandemia de Covid, a ponto de os defensores da tese da origem laboratorial serem acusados de racismo, a suspeita lógica foi empurrada para as bandas obscuras da internet.
O novo relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos que conclui ser “muito provável” a tese de que a Covid se espalhou pelo mundo a partir de um acidente de laboratório em Wuhan resgata a honra dos cientistas que não se conformaram em calar a boca e abaixar a cabeça.
As novas informações nas quais o Departamento se baseou não foram mostradas à imprensa, mas, em off, circulou que elas se originaram no âmbito da rede nacional de laboratórios que respondem a esse órgão do governo americano, não nas fontes tradicionais dos serviços de espionagem.
O furo foi do Wall Street Journal, uma exceção no panorama da grande imprensa americana ao abrir pioneiramente espaço para as hipóteses de origem laboratorial, tratadas como anátema pelos cientistas que se deixaram envolver pelo clima de radicalização política, com uma direita furibunda acusando a China de todos os males e uma esquerda nobre e desprendida se dedicando a salvar a humanidade com máscaras, lockdowns e vacinas (atenção, a descrição contém alguma ironia).
A conclusão sobre a provável origem laboratorial também é endossada pelo FBI, embora outros serviços de inteligência ainda não a tenham apoiado.
Saber a origem do vírus obviamente é fundamental para entender como ele se espalhou – e o que fazer para prevenir acidentes similares.
A hipótese de que o vírus tenha vindo de um animal contaminado e passado para humanos que trabalhavam no seu abate no mercado de Wuhan, defendida desde o começo pela China, deixava um grande buraco: como um morcego, o portador original, teria transmitido o vírus para o animal intermediário se seu habitat natural fica em cavernas a mais de mil quilômetros de distância de Wuhan? E por que o portador intermediário jamais foi encontrado, não obstante testes em massa?
Em maio de 2021, o Wall Street já havia divulgado documentos sigilosos revelando que três pesquisadores do Laboratório de Virologia de Wuhan tinham sido hospitalizado em novembro de 2019 com “sintomas tanto compatíveis com a Covid-19 quanto com doenças sazonais comuns”. O vírus foi identificado oficialmente em 30 de dezembro.
A doença dos três pesquisadores foi um tijolo a mais na construção penosa dos indícios materiais sobre a possível origem laboratorial.
Outro tijolinho lógico: a pesquisadora Shei Zhengli, endeusada no começo da epidemia como uma valente Mulher Morcego, dedicada a arrancar os segredos do coronavírus, disse que sua primeira reação foi pensar “Poderia ter saído do meu laboratório?”. Claro que ela, tal como a desmoralizada comissão da Organização Mundial da Saúde que visitou a China sob fortes restrições, concluiu que não.
Um ex-diretor do CDC, o famoso Centro Nacional de Controle e Prevenção de Doenças, Robert Redfield, defendeu pioneiramente que a hipótese mais provável era da origem laboratorial, baseado na etiologia do vírus.
O problema é que quem assumiu a comunicação sobre a doença nos Estados Unidos foi o agora aposentado Anthony Fauci, um cientista de grande presença midiática, promovido como o antagonista de Donald Trump logo no começo da epidemia. Nos bastidores, Fauci trabalhou intensamente para derrubar a hipótese da origem laboratorial do vírus que já matou quase sete milhões de pessoas.
Não é impossível que Fauci tenha operado para obscurecer pesquisas sobre ganho de função de novo coronavírus feitas com verbas americanas no laboratório chinês. Com o ganho de função, o vírus se torna mais letal e mais transmissível.
“Eu não consigo imaginar como isso pode ter saído da natureza”, disse um especialista da Universidade do Texas, Bob Garry, numa discussão por e-mail entre epidemiologistas coordenada por Fauci.
Os e-mails só foram revelados, em janeiro do ano passado, por pressão de deputados republicanos.
Note-se que os elementos envolvidos são de tirar o fôlego: o vírus escapou de um laboratório, a China sabia disso, integrantes do governo americano ajudaram a desmoralizar estas hipóteses para acobertar seu próprio envolvimento ou apenas impedir uma revolta da opinião pública que agravasse o relacionamento já complicadíssimo entre os dois países.
Parece teoria da conspiração? Parece mesmo. Mas os tijolinhos lógicos vão ficando cada vez mais difíceis de ignorar.