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‘Fome’, ‘luz’ e ‘liberdade’: o desespero dos cubanos reduzidos à miséria

Sem comida, sem energia elétrica, sem líderes e submetidos a um regime repressor, muitos se jogam em protestos aleatórios

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 Maio 2024, 11h08 - Publicado em 22 mar 2024, 06h40
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  • Vale a pena ouvir alguns dos desabafos gravados no domingo passado, quando o desespero de uma situação terminal levou às ruas até quem apoia o regime cubano, embora Cuba hoje possa ser considerada um país falido.

    “Esse povo tem sido bom e isso precisa ser reconhecido”, bradou uma mulher em frente a uma delegacia de polícia da cidade de Santiago de Cuba. “Um povo humilde e passivo.”

    “Sou fidelista e revolucionária, o povo está com fome.”

    No mesmo protesto desarticulado – todos os líderes em potencial estão presos ou exilados desde os protestos de 2021 –, um homem proclamou: “Não tenho que ser obrigado a ir embora do meu país. Amo o meu país. Até quando tenho que aguentar isso? O povo está com fome e aqui o que falta é liberdade.”

    “MENTIROSA”

    No mesmo domingo, uma dirigente do Partido Comunista, Beatriz Johnson Urrutia, subiu na laje de uma casa e tentou dialogar com os manifestantes aleatórios, sem nenhuma organização nem a palavra de ordem tradicional – “Pátria e Vida”, em contraposição ao “Pátria ou Morte” de Fidel Castro.

    “Mentirosa”, ouviu ela de volta. “Chega de conversa mole.”

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    No dia seguinte, as ruas estavam tomadas pela polícia e o presidente Miguel Díaz-Canel – com hífen, para ficar mais chique – reclamou do culpado de sempre, a “narrativa mediática”.

    Também mandou distribuir magras porções de arroz e leite, imaginando acalmar os desesperados que saíram pelas ruas em pleno apagão – são dez horas por dia de corte da energia elétrica – com o mais primal dos gritos: “Fome”.

    De resto, foi mais do mesmo: a culpa é dos Estados Unidos e de “políticos terroristas” de Miami. Enquanto o povo passa fome, o regime oferece zero alternativas por um motivo muito simples: não há o que fazer para resgatar uma experiência amplamente fracassada, o petróleo da Venezuela e do México não vai voltar a ajudar a sua sustentação e qualquer mínima mexida arrisca o desmoronamento total.

    Recursos como demitir o ministro da Economia e do Planejamento, Alejandro Díaz Fernández, por “graves erros” têm efeito zero. Com fome e sem luz, os cubanos estão vendo que “economia” e “planejamento” são palavras fictícias usadas pelo regime para fingir que governa. O ex-ministro tinha subido o preço da gasolina, apertando ainda mais uma população desesperada, mas foi alvo de insinuações de corrupção.

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    LINHA DA POBREZA

    Em 2021, mais de 1.400 pessoas foram presas pelo crime de protestar contra o governo e caladas com sentenças de até vinte anos de prisão.

    A política do medo funcionou para intimidar os cubanos propensos a ir às ruas e aumentou ainda mais o fluxo dos que fogem para os Estados Unidos. Mas não pôs comida na mesa nem melhorou o fornecimento de energia elétrica.

    Depois de 65 anos de revolução que prometia o paraíso da igualdade e da prosperidade, um levantamento do Observatório Cubano de Direitos Humanos indicou que 72% da população do país vive abaixo da linha da pobreza. No Brasil, com população vinte vezes maior e tanto ainda por fazer para criar oportunidades para os mais pobres, são 31%.

    Tendo o controle de todos os mecanismos do poder, inclusive sobre o uso da força, e a válvula de escape para a fuga em direção aos Estados Unidos, o regime cubano sobrevive e ainda tenta passar lição de moral aos outros.

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    “BOM PROLETÁRIO”

    Fome, escuridão e repressão acabariam conseguindo o impossível? É difícil ver essa possibilidade. O futuro próximo prenuncia apenas mais penúria para os cubanos e mais repressão.

    Diz uma piada dos tempos soviéticos que um homem é parado à noite por guardas que desconfiam de sua atitude. É revistado e em seu bolso acham um papel. Como está escuro, não veem que está escrito “exame de sangue”, mas enxergam os resultados. “Proteínas, nenhuma. Açúcares, nenhum. Gorduras, nenhuma”.

    “Está livre para ir, camarada”, diz um dos guardas. “Você é um bom proletário soviético”.

    Transposta para Cuba, a piada soa sinistra. Os bons amigos do regime de Cuba fazem declarações sobre a fome em Gaza, mas fecham os olhos ao que os companheiros cubanos estão passando.

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