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Embromação: todas as ‘propostas’ do governo brasileiro ajudam Maduro

São falsas alternativas como segunda eleição ou 'governo de transição'; o objetivo é conseguir um pretexto que mantenha o déspota no poder

Por Vilma Gryzinski 19 ago 2024, 06h34
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  • A primeira lei dos buracos estabelece: pare de cavar. Mas a compulsão por aumentar o buraco em que o presidente Lula da Silva e seu operador, Celso Amorim, meteram o Brasil por causa do regime chavista na Venezuela é maior do que tudo.

    As declarações estultas e os malabarismos verbais que maltratam a lógica, quando não a pura e simples cara de pau, para tentar achar um jeitinho de não reconhecer a vitória da oposição na eleição presidencial venezuelana aumentam o tamanho do vergonhoso buraco em que os dois principais responsáveis pela política externa estão enterrando a reputação do Brasil.

    Os brasileiros e o resto do mundo, com as exceções tirânicas de praxe, não querem achar um jeitinho para Nicolás Maduro. Querem que ele saia, mesmo se o preço for uma anistia para livrá-lo da punição pelas barbaridades que cometeu.

    Isso é fácil? De jeito nenhum. Maduro continua a ter os “votos” que contam num regime ditatorial: o dos detentores das armas. A hora que mudarem de lado, pluft, lá se vai o tiranete para desfrutar das benesses de Cuba, onde seu ídolo Hugo Chávez foi conduzido à morte por mau tratamento de um tumor cancerígeno no intestino “do tamanho de uma bolsa de beisebol”, ou do Irã, onde a hospitalidade oficial pode ser uma atividade de alto risco.

    Se demorar muito, pode acabar com o povo entrando no palácio, o que não costuma acabar bem.

    ATAS CONTRABANDEADAS

    María Corina Machado, uma das pessoas mais corajosas do mundo hoje em atividade política, já mencionou a possibilidade de “garantias, salvo-condutos e incentivos” para uma “transição negociada”. Ou seja, entende a necessidade de negociação para preservar soluções pacíficas, o que deve ser o objetivo maior.

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    Mas a enrolação de ouvir a “justiça eleitoral”, fazer um “segundo turno” ou um “governo de coalizão” não tem a menor conexão com a realidade. A condescendência virou cumplicidade do pior tipo.

    María Corina e o comando oposicionista concordaram em participar de uma eleição com todas as cartas marcadas, mas passaram a perna em Maduro e companhia, certos de que poderiam “proclamar” sua vitória, como de fato aconteceu.

    Os oposicionistas armaram um esquema que chegou a “contrabandear” três quartos das atas de cada seção eleitoral, registradas em tíquetes de papel depois da votação eletrônica, enganando a vigilância dos órgãos chavistas. Houve casos em que fiscais da oposição esconderam os tíquetes dentro das roupas íntimas.

    A comprovação da vitória de Edmundo González foi digitalizada e lhe dá uma legitimidade muito maior do que a proclamação, por parte dos deputados, da eleição indireta de Juan Guaidó. Esta estratégia não funcionou no passado, mas a situação agora é completamente diferente: González teve 67,2% dos votos populares. Não existe sentença mais definitiva do que esta.

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    NOVO ÊXODO

    É um acinte aos venezuelanos, que votaram contra Maduro mesmo sabendo do risco que corriam, falar numa segunda eleição. Ainda mais agora que o tiranete sabe como impedir que a oposição comprove os boletins eleitorais.

    Existem casos em que a diplomacia demanda atitudes pragmáticas, ou até olhos semifechados; existem outros em que os princípios morais devem prevalecer. Uma transição democrática na Venezuela atende a ambas as vertentes.

    Colaborar para uma saída pacífica reforçaria a posição internacional do Brasil e criaria boa vontade mesmo com um governo divergente em matéria de opções políticas. E talvez haveria uma tendência a não trazer à luz do dia transações passadas que alguns prefeririam manter em segredo.

    Também seria evitado um novo êxodo em massa, altamente desestabilizador para todos os países vizinhos. Uma nova pesquisa mostra que estarrecedores 42% dos venezuelanos pensariam em deixar o país caso Maduro se perpetue. Dez milhões de pessoas, imaginem as proporções.

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    PRÊMIO NOBEL

    Evitar a violência é um objetivo nobre, mas a meta tem que ser a redemocratização, não a embromação. Note-se que os venezuelanos costumavam gritar por “Liberdade”, mas na grande manifestação de sábado acrescentaram: “Maduro na cadeia”. Perderam o medo depois da eleição e isso não prognostica um futuro brilhante para o tiranete.

    Com uma transição negociada, Lula da Silva poderia até reivindicar o Nobel da Paz com que sonha. Por que não? Quem promove a paz terá muitos interessados em propor seu nome ao comitê do Nobel.

    Quem promove artifícios para proteger um amigão tirânico traz o opróbio não só a si próprio como a todo o país, que inclusive jamais votou pelo acobertamento de ditadores. Ao contrário, o repúdio ao regime venezuelano é unânime, inclusive entre os esquerdistas honrados.

    “Por favor, em que cabeça cabe que haja uma nova eleição? Aqui já houve uma, de acordo com os termos do regime, com uma campanha absolutamente desigual”, reclamou María Corina Machado, com razão, numa entrevista ao El País.

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    “Vamos para uma segunda eleição e, se não gostarem do resultado, iremos para uma terceira, quarta, quinta? Até que o presidente Nicolás Maduro goste do resultado? Vocês aceitariam isso em seus países?”, desafiou em outra entrevista.

    FALTA DE RESPEITO

    “Muitos disseram que éramos loucos, que correríamos riscos e que haveria uma fraude monumental que não poderíamos provar. Algumas pessoas foram mortas e estão hoje presas, escondidas ou tiveram que deixar o país”.

    “Não reconhecer o que aconteceu em 28 de julho é uma falta de respeito com os venezuelanos que deram tudo de si e expressaram sua soberania popular”.

    Lamentavelmente, sabemos em que cabeça cabe a hipótese de uma segunda eleição: a de quem quer dar um jeito de enrolar até que o assunto acabe saindo do primeiro plano, algum órgão espúrio endosse a vitória fake de Maduro e o “regime desagradável” siga adiante. Desagradável, francamente, é de chorar de vergonha.

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    Pelo seu próprio bem, parem de aumentar o tamanho do buraco.

    Imaginem que guinada inteligente: enquanto todo mundo cobre de pancadas o governo, este faz uma reviravolta e passa a reconhecer a vitória da oposição. A direção do PT faria o quê? Romperia com o governo Lula?

    Maduro já mandou Lula tomar chá de camomila. Estão esperando que não atenda mais os telefonemas de Lula, como fez o grotesco Daniel Ortega? Ou que mande fazer outra coisa?

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