Ele fala, Milei escuta: o assessor que redige a “revolução da liberdade”
Federico Sturzenegger é o economista de alta qualificação que quer detonar a intervenção do estado até em corridas de pombos-correio

Oposto em tudo a Javier Milei, o discreto e qualificado Federico Sturzenegger é o homem que está tentando demolir o estado ultraintervencionista na Argentina, inclusive, eventualmente, o Banco Central, o qual presidiu entre 2015 e 2018, no governo Macri.
Muitos argentinos ainda têm dificuldade em dizer seu sobrenome, mas a marca de Sturzenegger está no que o novo governo chamou ambiciosamente de Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, o pacotaço enviado ao Congresso no fim do ano que passou, com mais de trezentos artigos que procuram desregular a economia. E mais um a caminho, afetando “150 leis que regulam coisas como as corridas de pombos”, um exemplo extremo e engraçado do intervencionismo terminal.
O economista formado no MIT, que já foi professor em Harvard, esclarece que é neutro na questão das disputas dos pombos-correio.
Como o discurso de Milei é sempre envolto em gestos teatrais, vale ouvir do equilibrado – embora não menos apaixonado – Sturzenegger, que não ocupa nenhum cargo específico, o que o novo governo pretende com as reformas, mesmo que sua aprovação no Congresso seja altamente duvidosa e a judicialização já esteja avançada.
GUERRA NAS ESTRELAS
Num artigo para a Perfil, ele disse que o Decreto de Necessidade e Urgência que fundamenta as reformas “foi estruturado em torno de três eixos fundamentais e complementares: ampliar as liberdades individuais, eliminar os privilégios da casta e desregular a economia”.
Como inspiração, ele cita o pioneiro pensador do século XIX, Juan Bautista Alberdi, muito admirado por Milei: “As sociedades que esperam sua felicidade da mão de seus governos esperam uma coisa que é contrária à natureza. Pela própria natureza das coisas, cada homem tem o encargo providencial de seu próprio bem-estar e progresso”.
“Não há meio mais poderoso e eficaz de fazer a grandeza do corpo social do que deixar a cada um de seus membros individuais o cuidado e o poder pleno de lavrar seu engrandecimento pessoal”.
Parece – e é – um manifesto libertário. Com tons revolucionários assumidos pelo nada radical Sturzenegger, que começou a elaborar os decretos agora apresentados quando era colaborador da campanha de Patricia Bullrich. Jorge Fontevecchia, o dono da editora Perfil, disse que o ex-presidente do Banco Central “passou todos os sábados dos últimos dois anos dedicado a redigir as trezentas leis a serem modificadas para mudar economicamente a Argentina”.
O único sinal ostensivo de que Sturzenegger tinha intenções tão revolucionariamente iconoclastas, segundo Fontevecchia, é que levou sua coleção de brinquedos inspirados em Guerra nas Estrelas para a sede do Banco Central quando presidiu a instituição que Milei transformou em alvo durante a campanha. Agora, no governo, acalmou e fala num processo progressivo.
BATALHA PERDIDA
Como um Luke Skywalker sem cabelos, o arquiteto das reformas de Milei carrega a mão no combate aos “privilégios da casta porque causam a miséria das pessoas”.
“Os recursos em mãos das castas são utilizados para perpetuar o poder das castas. Por isso, debilitar as castas na esfera econômica é a forma de prevenir que utilizem o dinheiro que tiram do povo para manter a exploração do povo”.
“Como os sindicatos argumentarão contra a liberdade de escolha em relação aos provedores de saúde? O que alegarão os funcionários da Aerolíneas se for permitido que as pessoas voem livremente dentro da Argentina? E os donos dos registros automotores, como defenderão que os trâmites não possam ser realizados digital e diretamente com o governo nacional? Será interessante ver como estes interesses defendem seus privilégios”.
Será mesmo – e a maioria dos analistas considera que a batalha está perdida mesmo apenas iniciada. Sturzenegger, ao contrário do que indica seu perfil, está disposto a brigar. E cita, de novo, Alberdi como inspirador: “Se queremos ser livres, sejamos dignos de sê-lo. A liberdade não nasce de um golpe só. É o parto lento da civilização”.
Num país em que tanta gente não sabe como vai chegar à próxima semana, não há tempo para o “parto lento”.