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É proibido encarar: clube noturno australiano cria regra que causa dúvidas

Relações entre homens e mulheres são sempre complexas, mais ainda numa era em que é preciso 'consentimento verbal' até para olhar

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 26 ago 2022, 08h09 - Publicado em 26 ago 2022, 08h08
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  • O gato gruda os olhos, ergue o drink, faz cara de desejo. A gata faz que não percebeu, dá uma dançadinha, joga o cabelo e acaba cruzando olhares. Está pronto o cenário para uma aproximação – e tudo mais que pode vir, ou não vir, depois.

    E se o gato está mais para rato, a menina não se interessa e não retribui os olhares? Faz parte do jogo da sedução interpretar a linguagem corporal como um “sim” ou um “não” (obviamente, os gêneros podem ser invertidos ou até ser da mesma categoria, todo mundo entende o princípio da coisa). Se a pessoa que é objeto dos olhares cobiçosos não se interessar, aquele que olha pode continuar fazendo isso até virar estátua de sal.

    Exceto se for no Club 77, de Sidney, onde foram criadas novas regras: dar uma encarada só pode se houver um consentimento verbal. Transgressores podem ser abordados por “funcionários de segurança”, identificados por um colete cor-de-rosa. Em casos mais recalcitrantes, o gerente chama a polícia.

    A direção da casa noturna avisou que não quer clientes que a frequentem com o único objetivo de “ficar” com alguém. Também se sente na obrigação de “educar novos frequentadores e ajudá-los a entender o que é considerado comportamento inaceitável no recinto ou na pista de dança”.

    A linguagem pode dar a entender que está se referindo, eufemisticamente, a frequentadores estrangeiros. Ou pura e simplesmente quem dá “atenção indesejada” a alguém: “Qualquer interação PRECISA começar com consentimento verbal”.

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    Encaradas muito fixas também estão na mira do metrô de Londres, onde foram distribuídos cartazes avisando que “olhares intrusivos de natureza sexual constituem assédio sexual e não são tolerados”.

    Obviamente, existe uma diferença entre um clube noturno e um vagão de metrô. É difícil encontrar uma mulher que não tenha passado pelo “esbarrão” ou outro contato físico indesejado em algum meio de transporte. Na maioria dos casos, a interposição de uma boa bolsa – ou até uma bolsada – interrompe a ação do elemento abusado, embora esta sempre cause stress. Mulheres de curvas acentuadas penam ainda mais e, em alguns casos, podem até achar que são “culpadas” pelo assédio constante.

    Mas como policiar olhares? E como conciliar a proteção ao espaço público a que toda pessoa tem direito e iniciativas como a do governo da Catalunha, que lançou uma campanha incentivando o topless nas piscinas públicas?

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    “A sexualização das mulheres começa quando elas são jovens e nos acompanha por toda nossa vida”, diz a campanha.

    Problema: seios femininos são realmente atributos sexuais secundários e expô-los só parece natural em culturas em que a prática é universal.

    E a ideia de que todo mundo acabaria tirando o sutiã do biquíni, amenizando o elemento de excitação sexual no convívio entre mulheres e homens na praia, recuou visivelmente por causa do advento dos celulares onipresentes. Entrar no mar sem nada na parte de cima – em algumas praias europeias, na parte de baixo também – tornou-se, para muitas mulheres, um prazer que não compensa o incômodo de saber que as câmaras dos celulares estão em ação o tempo todo.

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    Como definir fronteiras é uma questão que as sociedades vão discutindo ao longo do tempo – às vezes, até à frente dele.

    Em maio, a câmara dos deputados aprovou na Espanha uma lei, chamada de Garantia Integral da Liberdade Sexual, conhecida como “só o sim é sim”.

    Foi um “passo decisivo para mudar a cultural sexual de nosso país”, celebrou a ministra da Igualdade, Irene Montero.

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    Mudar culturas não acontece por decisões parlamentares, mas a lei foi incentivada por uma sentença judicial revoltante: o caso “La Manada”, o de cinco jovens que estupraram uma garota de 18 anos durante uma festa popular. Nos vídeos que fizeram, ela aparece inerte e de olhos fechados. Por “ausência do uso da força”, a primeira sentença tratava de abuso sexual, não estupro. A sentença depois foi modificada e aumentada.

    Órgãos jurídicos foram contra a lei do “só o sim é sim” por considerar que invertia o ônus da prova e o princípio constitucional da presunção de inocência.

    Quem tem os argumentos mais convincentes?

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    E quem se arrisca a encarar o Club 77, a balada onde olhar dá punição se não passar pelo crivo da aprovação verbal antecipada? Qual a forma de consegui-la? Perguntando “posso olhar para você?”. E em que momento a proteção às mulheres se transforma em infantilização de seres frágeis e vitimizados?

    São temas que certamente vão agitar qualquer balada.

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