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É justo esta pessoa competir na Olimpíada contra mulheres biológicas?

O caso de Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, uma fera do levantamento de peso, expõe uma questão ainda sem solução definitiva

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 22 jun 2021, 10h12 - Publicado em 22 jun 2021, 08h33

Quando era homem e se chamava Gavin Hubbard, ele chegou a quebrar recordes no levantamento de pesos, um dos esportes mais exigentes.

Aos 35 anos, tornou-se uma mulher trans. Uma transição relativamente tardia, mas para a qual levou sua experiência como atleta – palavra felizmente neutra -, o desejo de continuar a competir e a discussão ainda sem resposta razoável a uma pergunta difícil: é possível não praticar qualquer tipo de discriminação e ao mesmo tempo não deixar em desvantagem mulheres biológicas, com ossatura e musculatura naturalmente mais reduzidas?

Agora, aos 43, já como Laurel Hubbard, depois de vencer uma aparentemente insuperável ruptura de ligamentos no cotovelo direito, tornou-se a primeira atleta transexual a ser qualificada para as Olimpíadas na equipe feminina da Nova Zelândia.

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Hubbard não fez cirurgia para tirar os órgãos reprodutores masculinos, mas preencheu o requisito do Comitê Olímpico Internacional sobre o nível de testosterona no sangue – inferior a 100 nanogramas por decilitro de sangue. Num homem adulto jovem ou de meia idade, o nível oscila de 300 a 900 nanogramas. Nas mulheres, na faixa dos 21 anos e até a menopausa, vai de 12 a 60.

O princípio da inclusão não pode ser seguido à custa dos outros, reclamou a atleta belga Anna Vanbellinghen, que compete na mesma categoria acima de 87 quilos.

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“Qualquer pessoa que tenha treinado levantamento de peso como atleta de ponta sabe que isso é uma verdade visceral, é uma situação injusta para o esporte e para as atletas”.

“Essa coisa toda parece uma piada ruim”.

A halterofilista belga provavelmente resumiu o sentimento natural de muita gente. 

Mesmo tendo deixado de ser homem, na sua psique e em certas características físicas, moldadas pela ingestão de hormônios femininos, Hubbard continua a desfrutar de vantagens injustas sobre competidoras que nasceram mulheres?

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Entre os cientistas estudiosos dos corpos humanos, não existe consenso. O desejo de ser politicamente correto e de não ferir os sentimentos de pessoas que já suportam as complexidades da transição de gênero também influem no julgamento.

A revista Scientific American, por exemplo, foi buscar uma comparação basicamente absurda ao defender o seguinte em relação à participação de transgêneros em competições esportivas de escolas do segundo grau:

“A noção de que meninas transgênero tenham uma vantagem indevida vem da ideia de que a testosterona causa mudanças físicas como o aumento de massa muscular. Mas as transgêneros não são as únicas garotas com altos níveis de testosterona. Cerca de 10% das mulheres têm síndrome de ovários policísticos, que resulta em altos níveis de testosterona. Elas não são proibidas de participar de competições femininas”.

É provavelmente um dos mais idiotas argumentos de todos os tempos. Mas tem mais. A revista cita uma especialista de Yale, Katrina Karkazis, que disse o seguinte: “Estudos sobre os níveis de testosterona em atletas não mostram nenhuma relação clara e consistente entre testosterona e desempenho atlético. Algumas vezes, a testosterona é associada a um melhor desempenho, mas outros estudos mostram um elo fraco ou nenhum elo. E outros mostram que a testosterona é associada a um pior desempenho”.

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É um claro exemplo de como a ciência também pode ser politizada ou ideologizada para atender conceitos considerados socialmente desejáveis.

Um dos casos mais conhecidos da “batalha da testosterona” envolve a sul-africana Caster Semenya, campeã olímpica dos 800 metros e eterna protagonista de uma discussão sem fim. 

Semenya tem hiperandrogenismo, disfunção caracterizada por altos níveis de testosterona. Ela apelou – e perdeu – da decisão segundo a qual atletas com Diferenças de Desenvolvimento Sexual que são mulheres com testículos e cromossomas XY – ou seja, basicamente homens pelos mandamentos da biologia -, devem tomar anticoncepcionais que aumentam os níveis de hormônios masculinos ou remover cirurgicamente os testículos.

O caso de Semenya ilustra o que muita gente já sabe: mesmo em níveis extremamente minoritários, existem pessoas que escapam às caracterizações predominantes do que é homem e o que é mulher. E existem também aquelas que, mesmo incluídas nessas caracterizações, têm plena convicção de que não pertencem a elas.

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Como não discriminá-las sem criar uma outra injustiça? Não existem respostas fáceis. Os organismos esportivos tentam acompanhar as mudanças sociais e também podem ser intimidados pelo temor de serem chamados de transfóbicos – uma ofensa terrível nos tempos atuais, quase como racista.

As competições esportivas são uma das áreas em que mulheres podem se sentir ameaçadas por competidoras trans que foram homens biológicos. 

No outro lado do espectro, mulheres biológicas que se transformaram em homens trans, mas não mudaram o aparelho reprodutivo, fazem campanhas para que palavras como “mãe”, “maternidade”, “aleitamento materno” e correlatas sejam eliminadas do vocabulário, principalmente nos serviços de saúde de países como a Grã-Bretanha, onde o movimento trans é muito forte.

O absurdo chegou a ponto de produzir, no lugar das palavras mulher ou mãe, expressões forçadas como “pessoas que dão à luz”, “pessoas que menstruam” ou “pessoas com cérvix”.

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“Pessoa”, evidentemente, pode ser uma palavra neutra. Ou carregada de um peso ofensivo e excludente. A linguagem, como os espaços esportivos, pode ser um campo minado.

Por causa disso, todos os olhares estarão focados em Tóquio quando Laurel Hubbard entrar na competição. Num malabarismo mental de dar nó em pingo d’ água, haverá até quem torça para que perca e mostre, assim, que é apenas mais uma atleta feminina, competindo em igualdade de condições com outras mulheres.

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