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Depois de expulsar freiras e prender bispo, Ortega compra briga com o papa

Perfeito representante da velha esquerda, presidente nicaraguense ataca até o papa argentino, em quem poderia ter um bom aliado

Por Vilma Gryzinski 30 set 2022, 07h34
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  • Daniel Ortega está atacado, com sinais de perda não só do senso de oportunidade política como do juízo. Nos últimos dias, desafiou o papa, expulsou a embaixadora da União Europeia e ofendeu o presidente de esquerda do Chile, Gabriel Boric.

    “Quem elege os padres, quem elege os bispos, o papa, os cardeais?”, provocou num discurso assistido pela cúpula da polícia e a mulher, Rosario Murillo, sua vice e, dizem, manipuladora.

    “Desde quando os padres dão golpes de estado e desde quando têm autoridade para falar de democracia?’’, arremeteu, emendando para chamar a Igreja de “ditadura perfeita, tirania perfeita”.

    “Eu diria a sua santidade, o papa, com todo respeito, às autoridades da Igreja católica, que como católico não me sinto representado por tudo que conhecemos dessa história terrível, mas também porque ouvimos falar de democracia e não praticam a democracia”.

    “Seria uma revolução se o papa fosse eleito pelo povo católico do mundo”.

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    É, obviamente, uma cretinice mal intencionada. A Igreja é uma instituição religiosa com regras estabelecidas ao longo de dois mil anos de história, não uma república, de bananas ou não. Quem não gostar, saia ou mude de religião.

    O bispo Silvio José Báez, com a liberdade de expressão de quem vive no exílio, respondeu pelo Twitter: “Quanta ignorância, quanta mentira e quanto cinismo! Um ditador dando aulas de democracia; alguém que exerce o poder de forma ilegítima, criticando a autoridade que Jesus outorgou à sua Igreja; alguém que é ateu, lamentando não se sentir representado pela Igreja”.

    Ortega foi o líder da revolução sandinista, o movimento guerrilheiro de esquerda que conseguiu derrubar a ditadura do clã Somoza. Instalado no poder, foi dando um jeito de não sair mais. Hoje chefia um regime ditatorial e corrupto, com toques de surrealismo imprimidos pelas intervenções “esotéricas” da mulher. Os ideais esquerdistas, abraçados entusiasticamente na época por padres ligados à Teologia da Libertação, foram substituídos pelo caudilhismo grosseiro.

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    Alguns líderes sandinistas sobreviventes repudiaram a transformação e representantes da Igreja apoiaram as manifestações de protesto de 2018, reprimidas com tiros na cabeça quando a coisa pareceu pender para a mudança de regime. É por causa desse apoio que Ortega falou em “alguns bispos, alguns padres, que convocaram as pessoas a me passar chumbo, para me matar”.

    As agressões contra a Igreja aumentaram este ano. Daniel Ortega expulsou o núncio apostólico e 18 freiras da congregação fundada por Madre Teresa de Calcutá, que foi santificada. Depois de um cerco de quinze dias à sede episcopal da dioceses da cidade de Matagalpa, mandou colocar em prisão domiciliar o bispo Rolando Álvarez. Prendeu os padres e laicos que o acompanhavam. 

    A insanidade mais recente foi proibir procissões como a que seria feita com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima.  Também foram vetadas as procissões em homenagem a São Jerônimo e São Miguel Arcanjo, tradicionais da cidade de Masaya.

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    Proibir Nossa Senhora parece coisa de livro sobre ditador latino-americano enlouquecido. Revela também que Ortega desperdiçou a simpatia do papa Francisco, com sus raízes plantadas no peronismo argentino, por regimes de inclinação esquerdista. O papa vinha sendo criticado justamente por não condenar os abusos praticados na Nicarágua. Quando falou, cautelosamente, manifestou “preocupação e dor pela situação criada na Nicarágua” e pediu “um diálogo aberto e sincero”.

    A Nicarágua é um país pobre, com 15% do PIB gerado pelas remessas feitas pelos cidadãos que emigraram para os Estados Unidos, mas Ortega, depois de um primeiro governo desastroso,  não cometeu as insanidades autodestrutivas de Hugo Chávez – embora também dependesse da bolsa-petróleo.

    Tem espaço para continuar no poder por um bom tempo, beneficiando-se agora da onda de presidentes esquerdistas na América Latina. Todos rezam no altar da velha esquerda. A exceção é Gabriel Boric, do Chile, que demonstrou não aceitar a tese da esquerda segundo a qual “não se deve falar mal de amigos”.

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    “Fico louco quando quem é de esquerda não pode falar da Venezuela ou da Nicarágua”, repetiu ele na semana passada, depois de criticar os dois regimes em discurso na ONU.

    Ortega respondeu agora: Boric é um “cachorrinho” dos Estados Unidos, disse.

    A embaixadora Bettina Muscheidt foi declarada persona non grata por pronunciamentos da União Europeia pedindo a restauração da democracia e a libertação de presos políticos.

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    A diferença que faz para Ortega é zero. Ele tem mãos livres para comprar briga com a Europa, os Estados Unidos e até com o papa. Ele acha que neutraliza sanções com negócios, literalmente, da China.

    Para a Igreja católica, em encolhimento diante do aumento de evangélicos, talvez seja até uma vantagem: perseguições religiosas costumam reforçar a fé.

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