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Cuidado, aí vem o governo francês: “pegadinha” oficial contra o racismo

Órgãos governamentais poderão mandar currículos falsos para detectar discriminação contra pessoas de origem estrangeira

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 1 fev 2023, 15h07 - Publicado em 1 fev 2023, 07h38
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  • French Prime Minister Elisabeth Borne
    Madame Borne: o governo pode fazer armadilhas para identificar empresas que discriminam em contratações? // (Laurent Coust/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

    A empresa está abrindo contratações, o que já é uma grande manifestação de coragem na França dos milhões de leis trabalhistas, e recebe dois currículos com habilidades exatamente idênticas. A diferença: um vem de Arnaud Babineaux, outro de Mohamed Saidi.

    É uma pegadinha. Os currículos foram inventados como parte de um plano do governo francês para detectar empresas ou organismos institucionais que discriminam contratados com base em sua origem étnica, racial ou nacional.

    A punição pode ir desde a nomeação pública dos envolvidos, como forma de causar constrangimento social, até uma “multa cívica”.

    Incontáveis experiências e pesquisas já apontaram ao longo do tempo que existe realmente uma preferência não declarada por franceses “tradicionais”, tais como revelados pelo nome, pela foto e até pelo endereço, e franceses cujas famílias vieram do Norte da África ou da parte subsaariana do continente.

    No lançamento do plano de 80 medidas contra o racismo, o antissemitismo e as discriminações, feito pela primeira-ministra Élisabeth Borne, a advogada Kaltoum Gachi, dirigente de uma organização antirracista, contou como seu irmão, chamado Kamel, só conseguiu emprego numa montadora de automóveis depois de mudar o nome no currículo para Kevin – ironicamente, um nome de origem irlandesa que faz sucesso na França.

    O programa é tipicamente francês, fruto de incontáveis debates e comitês. Inclui pelo menos uma visita ao longo do período escolar a um monumento a vítimas de perseguições. Um simples passeio pelas ruas de Paris pode revelar as placas com locais onde judeus franceses ou que se refugiavam na França, incluindo crianças, foram deportados durante a II Guerra Mundial.

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    A história é especialmente dolorosa para a discreta, quase invisível primeira-ministra. O pai dela, Joseph Bronstein, judeu russo proveniente da Bélgica, militou na Resistência Francesa durante alguns meses antes de ser preso, aos 19 anos, e deportado para Auschwitz. Conseguiu sobreviver, mas perdeu o próprio pai e um irmão. Quando a filha Élisabeth tinha 11 anos, cometeu suicídio.

    A história é complicada na França: a maioria esmagadora dos atos de antissemitismo é cometida por pessoas com origem em países muçulmanos, o que leva centenas de judeus franceses a emigrar anualmente para Israel.

    Um intelectual judeu como Éric Zemmour, que foi candidato a presidente, se aproximou de teses de extrema direita por causa de episódios de terrorismo e discriminação cometidos por imigrantes muçulmanos.

    Ele foi amplamente ridicularizado quando propôs que deveria ser obrigatório dar prenomes franceses a todas as crianças nascidas no país. Justificativa para a ideia absurda: “Quando você chama seu filho de Mohamed, está colonizando a França”.

    Combater o racismo e a discriminação é um processo necessário e complexo, em especial quando envolve pessoas que podem ser, simultaneamente, discriminadas e discriminadoras. No mundo das redes sociais, grassam os preconceitos mais primitivos, e objetivos nobres podem ser levados ao exagero como no caso da encenação teatral no Canadá, em comemoração ao Mês da História Negra, cuja estreia será aberta “exclusivamente a um público de identidade negra”. O teatro é subvencionado por verbas públicas.

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    É claro que os Estados Unidos são o país onde o assunto mais ferve, com a Teoria Crítica Racial, uma interpretação marxista e maximalista das relações raciais, sendo pregada em universidades, escolas, empresas e órgãos do governo.

    Ron DeSantis, o governador da Flórida que quer ser presidente, proibiu no ano passado o ensino da Teoria Crítica Racial nas escolas do estado, o que o levou a ser chamado, obviamente, de supremacista branco.

    O governo francês já disse oficialmente que não quer ser contaminado pelos extremismos do debate americano. O plano anunciado pela primeira-ministra está cheio de boas intenções, como “nomear melhor e mensurar melhor” as atitudes discriminatórias, além de “educar melhor e sancionar melhor os responsáveis por palavras ou atos inaceitáveis”.

    Desses, a França está, lamentavelmente, repleta. Poucos podem esquecer o fatídico 16 de outubro de 2020, quando Samuel Paty foi decapitado ao deixar a escola onde ensinava história e geografia. O assassino, Abdoullak Anzorov,  tinha 18 anos, estava na França desde os 6, proveniente da Chechênia, a complicada república que faz parte da Rússia. Insuflados por uma aluna de 13 anos, que mentiu sobre as atitudes do professor, pais de alunos passaram a acusá-lo de islamofobia por mostrar caricaturas do profeta Maomé durante uma aula sobre liberdade de expressão.

    Quem tiver sugestões razoáveis e eficazes sobre como administrar situações assim, reflexo de um quadro gravíssimo de radicalização, pode encaminhá-las à primeira-ministra francesa. Talvez ela tenha um tempo para vê-las em meio à onda de greves que engolfa a França por causa do aumento da idade para a aposentadoria para 64 anos, a idade mais baixa entre as grandes economias europeias.

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    Mais de 70% dos franceses são contra – e não tem pegadinha do falso currículo que dê jeito nisso.

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