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Conexão Ucrânia: espiões, hackers, milionários e Trump

Processo de impeachment, detonado por telefonema com presidente ucraniano, traz à tona personagens e histórias mirabolantes de um país enrascado

Por Vilma Gryzinski 26 set 2019, 20h55
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  • A chapa está fervendo para Donald Trump. Acompanhar o já garantido processo de impeachment fica complicado devido a nomes desconhecidos, e geralmente impronunciáveis, dos ucranianos envolvidos.

    Um replay rápido: tudo o que acontece na Ucrânia deve ser medido pelo fato de que o país vive à sombra da Rússia.

    Depois da independência ucraniana, consequência do desmanche do comunismo soviético, a ideia de uma relação pacífica com o vizinho poderoso foi enfraquecendo diante da realidade.

    A Rússia de Vladimir Putin usa a população ucraniana de origem russa, quase 30%, consequência de guerras, invasões, fronteiras redesenhadas e transferências de população, para sabotar uma Ucrânia aliada da Otan e da União Europeia.

    Usa também métodos de cooptação de políticos ucranianos e táticas sofisticadas de desinformação.

    Quando acha que pode, põe em campo a força bélica. Assim, a Crimeia foi deglutida pela Rússia e assim grassa uma guerra civil, no momento de baixa intensidade, na região fronteiriça.

    Desde 2014, foram 13 mil mortos, um número chocante.

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    Os Estados Unidos são a única garantia real de que a Rússia não irá além do que já fez.

    Portanto, para os nacionalistas ucranianos é questão existencial ter boas relações, e se possível influência, com quem manda nos cofres e nos militares em Washington.

    A hipótese de um presidente simpático a Moscou como Donald Trump era apavorante (na prática, as relações com Moscou estão ruins, embora Trump continue a falar bem de Putin).

    Geopolítica, poder, dinheiro, espionagem, invasões cibernéticas e personagens cujas lealdades são difíceis de definir vazaram da Ucrânia para os Estados Unidos através de personagens na esfera tanto de Donald Trump quanto de políticos democratas.

    A seguir, um resumo dos principais envolvidos na Conexão Ucrânia.

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    O PRESIDENTE ACIDENTAL

    Volodymyr Zelensky é o humorista eleito por ucranianos fartos dos políticos de sempre.

    Empossado há pouco tempo, Zelensky continua a semear dúvidas.

    Vai peitar Putin, trair os eleitores e se aliar aos russos como fez outro presidente ou tentar alguma coisa intermediária?

    A conversa com Trump o coloca na posição de colaborador ansioso do presidente dos Estados Unidos.

    Quer agradar, concorda com tudo, vai “fazer o favor” que Trump pediu. Obviamente, pode ser tudo da boca para fora, como qualquer político profissional e não um outsider eleito para mudar as coisas.

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    Seu financiador foi Igor Kolomoysky, o dono do canal de televisão onde passava o programa em que interpretava um professor de história eleito presidente por uma série de acasos.

    Kolomoysky foi morar em Israel quando se envolveu num dos intermináveis escândalos ucranianos.

    Ambos são judeus, um fato que não é mencionado ao acaso. Os pais do presidente Zelensky eram cientistas judeus de origem russa.

    Vladimir Putin tem uma incrível capacidade de cooptação de simpatizantes de origem judaica e língua russa da antiga esfera soviética.

    Entre judeus religiosos, Zelensky não tem uma reputação impecável. Casou-se com uma ucraniana linda – quase um pleonasmo – que segue a religião ortodoxa.

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    Os mais fofoqueiros dizem que o filho deles foi batizado na igreja.

    Com a eclosão do caso do impeachment exatamente quando o casal Zelensky estava nos Estados Unidos, a pobre Olena nem pôde fazer um desfile de belezas eslavas, do norte e do sul, ao lado de Melania Trump.

    A expressão de infelicidade de todos, numa única foto divulgada, era patente.

    HACKER DOS HACKERS

    Qual foi o “favor” que Donald Trump pediu a Zelensky? Na verdade foram dois.

    O primeiro envolve a empresa de segurança cibernética CrowdStrike, com grande atuação nos Estados Unidos e no exterior, incluindo o Brasil.

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    Como é típico, o pulo do gato da empresa foi passar na frente dos hackers espiões depois que estes tinham deixado para trás seus caçadores, com as facilidades criadas pelo armazenamento na nuvem.

    Operadores chineses foram flagrados pela CrowdStrike em diversas circunstâncias. Hurricane Panda era um desses adversários virtuais.

    Outros mencionados na lista de troféus da empresa, com seus criativos nomes: Ghost Jackal, braço do espertíssimo Exército Eletrônico da Síria; Viceroy Tiger, de invasores indianos, e os criminosos comuns do Andromeda Spider.

    A CrowdStrike foi contratada em 2016 pelo Partido Democrata para investigar a invasão dos computadores do comitê eleitoral de Hillary Clinton.

    Conclusão: foram dois ramos da espionagem militar russa, agindo sob os nomes fofinhos de Fancy Bear e Cosy Bear.

    O detalhe de que um dos donos da CrowdStrike é Dmitri Alperovitch, ucraniano nascido em Moscou que foi com os pais para os Estados Unidos aos 15 anos e tem cidadania americana, é bem mais do que um detalhe.

    Toda uma ala trumpista acredita que tem muito caroço debaixo desse borscht. O servidor invadido dos democratas estaria em poder de operadores da esfera ucraniana.

    Trump mencionou isso de maneira indireta na conversa com o presidente ucraniano, dando a entender que gostaria que o assunto fosse investigado.

    Antitrumpistas acreditam em outra motivação: Donald Trump quer na verdade descobrir alguma conexão que justifique um perdão presidencial a Paul Manafort.

    MALANDRO FEDERAL

    Chegamos assim a outro personagem com envolvimentos explosivos com ucranianos bombásticos.

    O ex-coordenador de campanha de Trump está curtindo sete anos de cana.

    As investigações de Robert Mueller sobre interferência russa na campanha presidencial americana não atingiram Donald Trump nem comprovaram um elo comprometedor de Paul Manafort.

    Mas expuseram malandragens federais do lobista profissional que gostava de cirurgias plásticas e roupas caras como um paletó de couro de crocodilo que chegou a ser mencionado no processo como prova de gastos exorbitantes (o juiz dispensou a alegação).

    Manafort trabalhou como lobista para Viktor Yanukovych, o presidente que à véspera da assinatura de um acordo com a União Europeia pegou um avião e foi a Moscou, anunciando uma aliança com Vladimir Putin.

    A espetacular traição desencadeou uma onda de protestos incontroláveis, apesar do rigor do inverno ucraniano e de atiradores suspeitos de vir de fora para matar manifestantes.

    Yanukovych acabou fugindo – para a Rússia, claro –, deixando provas espantosas de corrupção.

    Deixou também um documento chamuscado mostrando que ele e aliados haviam feito pagamentos secretos, em dinheiro, a Manafort. Total: 12,7 milhões de dólares.

    “Meu coordenador de campanha é um bandido”, reclamou Trump quando o caso estourou e Manafort foi demitido.

    Através da conexão ucraniana, Manafort teve acesso ao bilionário russo Oleg Deripaska. Tentou vender a ele informações sigilosas obtidas durante o breve período em que comandou a campanha de Trump.

    É difícil imaginar, mas também deu um golpe em Deripaska: pegou dez milhões de dólares emprestados e não pagou.

    As informações sobre a campanha de Trump podem ter sido uma forma de neutralizar essa dívida.

    Apesar das bandidagens, ou talvez por causa delas, manteve a lealdade a Trump durante o processo em que foi condenado.

    Os dois mantiveram também contatos via respectivos advogados.

    O de Trump é Rudy Giuliani, o ex-prefeito de Nova York que, em declarações desastrosas, assumiu contatos com um representante do presidente ucraniano.

    Segundo o jornalista Murray Waas, antitrumpista ardoroso, o grande plano do presidente sempre foi “vender a narrativa de que o Comitê Nacional Democrata, doadores do partido e funcionários do governo ucraniano ‘conspiraram’ para derrotar a candidatura Trump em 2016”.

    Seria uma forma de virar o jogo das acusações de interferência russa. O presidente ucraniano na época era Petro Poroshenko.

    Detalhe: as malandragens de Paul Manafort foram reveladas por Alexandra Chalupa. Neta de ucranianos, ela era consultora do Comitê Nacional Democrata.

    Alexandra Chalupa diz que foi movida pelo temor de ver um candidato simpático a Putin se tornar presidente dos Estados Unidos.

    Segundo suas denúncias, passadas por ucranianos, Manafort operava campanhas de desinformação para favorecer o lado aliado da Rússia na Ucrânia.

    Uma das fachadas funcionava na Bélgica sob o inocente nome de Centro Europeu por uma Ucrânia Moderna.

    O DOSSIÊ BIDEN

    O segundo “favor” pedido por Trump ao presidente ucraniano tem mais potencial demolidor.

    Envolve sua posição como presidente para prejudicar o possível, embora não 100% garantido, adversário democrata na eleição do ano que vem, Joe Biden.

    Trump se enroscou numa ilegalidade digna de impeachment ou Biden fez coisa pior?

    Uma coisa não exclui necessariamente a outra.

    O que se sabe é que o filho problemático do então vice-presidente, Hunter Biden, foi contratado por um milionário ucraniano encrencado – de novo, quase um pleonasmo.

    Hunter, expulso da reserva da Marinha por uso de cocaína revelado em exame de sangue e que teve um caso com a cunhada viúva, entrou no labirinto ucraniano em 2014.

    Em grande estilo, como membro do conselho da Burisma, a maior empresa de exploração de gás do país.

    Intervalo: para sua desgraça, a Ucrânia não tem muitas reservas de gás e depende, justamente, da Rússia.

    Hunter Biden foi contratado por Mykola Zlochevsky, o dono da Burisma.

    Zlochevsky tinha sido ministro do Meio Ambiente – ah, Ucrânia – no governo do futuramente traidor Yanukovych.

    No regime posterior, começou a ser investigado, na Inglaterra e na Ucrânia. Lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos e outros quesitos fartamente conhecidos lá e aqui.

    Já tinha 23 milhões de dólares congelados em contas em Londres.

    O papel de Hunter Biden era reforçar sua equipe de advogados, o que fez muito bem, recrutando inclusive um ex-integrante do governo de Barack Obama.

    Ou funcionar como lobista não declarado, nada menos que filho do vice-presidente dos Estados Unidos

    Recebeu 850 mil dólares entre 2014 e 2015. Só deixou o conselho da Burisma quando o pai entrou na campanha presidencial.

    Alguns aspectos da ficha corrida de Zlochevsky eram investigados pelo procurador-geral Viktor Shokin.

    Mas Shokin também tinha envolvimentos escusos. Foi para exigir sua demissão que Joe Biden também baixou na Ucrânia e usou um empréstimo de um bilhão de dólares como instrumento de pressão.

    Ele próprio contou isso com orgulho.

    O patrão do filho foi beneficiado?

    Joe Biden garante que nunca falou com o filho sobre o dossiê Ucrânia.

    Um Trump acuado não vai deixar barato.

    Ucranianos de nomes complicados não vão sair tão cedo do cenário.

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