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Câmara dos Estados Unidos: divisões deixam lições para a direita

Disputas internas que explodem em público, líderes fracos e minoria barulhenta mostram problemas que não são só do Partido Republicano

Por Vilma Gryzinski 9 jan 2023, 07h23
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  • Oportunista, sem princípios, pouco digno de crédito e incapaz de encarnar a real oposição ao governo. A descrição cai bem em muitos políticos, e de muitos países, não apenas em Kevin McCarthy, que passou pelo vexame de quinze votações até ser eleito presidente da Câmara dos Representantes.

    A oposição das duas dezenas de rebeldes, apelidados por membros do próprio Partido Republicano de Taliban Twenty, teve que ser debelada a golpes de telefonemas de Donald Trump e concessões infinitas. Entre elas: um único deputado passa a ter direito a pedir votação contra o speaker, como os americanos chamam o ocupante da presidência.

    Isso significa que McCarthy vai ter uma vida dura, talvez até impossível.

    É claro que os democratas assistiram de camarote, “comendo pipoca”, enquanto republicanos se dilaceravam, chegando num momento ao quase entrevero físico.

    A certa altura, Trump chegou a ser ridicularizado. “Sinto muito por meu presidente favorito”, disse Lauren Boebert, que se tornou a cara dos talibãs, juntamente com Matt Gaetz, quando disse que não ia ceder aos apelos de Trump.

    A crise mostrou divisões mais profundas do que as tradicionais dentro do Partido Republicano – refletindo impasses na direita em geral. 

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    Embora pareçam poodles se comparados aos pitbulls americanos, os conservadores britânicos também estão em crise, traumatizados por um governo que aumentou impostos num momento de inflação e encolhimento econômico, contrariando o próprio cerne dos princípios liberais exatamente no país onde foram sistematizados no pensamento político e econômico.

    “O Partido Conservador está lutando não apenas contra uma derrota arrasadora, mas também contra a perspectiva de sua destruição permanente”, exagerou Sherelle Jacobs no Telegraph. “Pela primeira vez desde a virada do século XX, existe um perigo real de que a direita britânica se fragmente”.

    Pelas pesquisas mais recentes, se a eleição fosse agora o Partido Trabalhista teria 49% dos votos e os conservadores encalhariam em 23%. Nada menos que uma hecatombe.

    Até os mais crédulos duvidam dos cinco compromissos assumidos pelo primeiro-ministro Rishi Sunak: cortar a inflação (de 10,7%) pela metade, retomar o crescimento econômico, reduzir a dívida pública, diminuir as filas no sistema de saúde e acabar com a imigração clandestina.

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    São objetivos perfeitamente antenados com um governo de centro-direita, mesmo que muitos acreditem que Rishi é um falso conservador e a base só não tenha migrado para outro partido porque não existe opção.

    Do outro lado do Altântico, controlar a dívida de vertiginosos 31 trilhões de dólares e a fronteira com o México, por onde quase cinco milhões de migrantes irregulares passaram desde que Joe Biden assumiu a presidência, deveriam ser os dois temas que unem os republicanos.

    As divisões mostradas pelo angustiante processo de eleição do presidente da Câmara mostraram que “deveriam” virou algo muito longe da realidade. A ala nacional-populista já passou a perna até em seu inspirador máximo, Donald Trump – um processo que também está acelerado no Brasil, agora com consequências espantosas.

    Conservadores, moderados e libertários, as principais correntes internas, perdem feio quando deixam de ter princípios comuns.

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    A direita populista é dominante nas redes sociais e nela prevalece a ideia de que os republicanos convencionais são na verdade adversários – ou até traidores. Fazem parte do sistema, que para esta tendência é o maior dos defeitos.

    Uma pesquisa do Pew Research Center dividiu o eleitorado republicano em grupos que vale a pena entender. O maior deles, com 23%, é chamado de “religião e bandeira”: firmemente conservadores, crentes no excepcionalismo americano e no papel da religião, eleitores e admiradores de Donald Trump. Não é difícil ver qual parte do eleitorado brasileiro se parece com eles.

    Ligeiramente menor é a direita populista, especialmente preocupada com assuntos migratórios. Acha que os bancos e grandes corporações se beneficiam de disparidades econômicas. Maciçamente trumpista.

    Os chamados conservadores comprometidos são 18%. Prevalece entre eles a crença no conservadorismo econômico, o que no Brasil seria chamado de liberalismo. Votaram em Trump, mas são mais suscetíveis a outros nomes. Acham que Ronald Reagan foi o melhor presidente no passado recente.

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    Os “laterais estressados” são 15%: tendem a sustentar os princípios do liberalismo econômico, mas podem votar no Partido Democrata. São os que mais têm problemas financeiros.

    Reunir todas essas tribos e ainda conquistar independentes ou democratas hesitantes, além de ter um partido que faz frente unida depois das primárias, é o que um candidato republicano a presidente precisa para ser eleito em 2024.

    Segundo a maioria das pesquisas – obviamente precoces demais -, Biden vence Trump em vários cenários. Em compensação, perde para Ron DeSantis, o governador da Flórida.

    Tradução: o eleitorado quer sangue novo, talvez ideias novas também, mas o establishment oferece a opção entre Biden, de 80 anos, e Trump, com apenas quatro anos a menos.

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    Partidos disfuncionais traem o eleitorado conservador ao qual deveriam servir e até em países onde são mais sólidos podem ser varridos do mapa. Herdeiros do gaullismo, o Republicanos da França têm hoje apenas 62 deputados entre os 577 da Assembleia Nacional. Sua candidata a presidente, Valérie Pecresse, não chegou aos 5% dos votos, lembrando o caso de Simone Tebet. O eleitorado de direita foi todo para Marine Le Pen.

    A direita, obviamente, abriga várias tendências, mas se elas viram facções acabam dando o tom bananeiro que pairou sobre o Congresso americano. E deixa eleitores órfãos e revoltados, uma combinação explosiva que produz resultados maléficos e autodestrutivos. 

    Quando a fina camada que separa a civilização de seu oposto se rompe, a sociedade sofre um traumatismo brutal.

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