Vingança é um prato que se come frio, morno ou quente no Oriente Médio. E a vingança que está sendo especulada nos últimos dias é de tirar o fôlego da população mundial inteira pelo potencial de propagação incontrolável.
O atual ciclo de retaliações, para ficarmos apenas nos acontecimentos recentes e não precisarmos retroagir até os templos bíblicos, foi desencadeado com o ataque de uma milícia iraquiana, teleguiada pelo Irã, contra a base naval israelense em Eilat. Não foi um ataque qualquer, apesar da escala pequena de danos: a base coordena navios que transportam armas nucleares táticas de Israel.
Daí a retaliação acachapante de Israel, com mísseis disparados por jatos F-35 que, no dia primeiro, simplesmente pulverizaram o consulado iraniano anexo à embaixada iraniana em Damasco. Claro que muitíssimo mais acontece num lugar assim, e pouco tem a ver com atividades consulares regulamentares. O ataque matou o general Mohammed Reza Zahedi, da Guarda Revolucionária, o principal braço armado das múltiplas operações do regime iraniano no exterior. Zahedi comandava o trânsito de armas rumo a aliados do Irã, como o Hezbollah, no Líbano.
Aumentando o coro das promessas de vingança, Ali Khamenei, o líder supremo, que “o regime maligno cometeu mais um erro e será punido”. O ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, também subiu mais um degrau no nível da resposta: se for lançado um ataque a partir do Irã, Israel responderá com bombardeios no território iraniano.
Katz, do partido Likud, quer ser primeiro-ministro – como metade dos assessores que cercam Benjamin Netanyahu. Usa uma linguagem agressiva, sem tinturas diplomáticas características do cargo. Mas o recado, obviamente, é coletivo.
PRECEDENTE ARGENTINO
As especulações sobre como será a vingança iraniana têm se multiplicado. Ataques a embaixadas israelenses ou entidades judaicas no mundo inteiro, principalmente onde são menos esperados (com o trágico precedente histórico dos atentados do tipo na Argentina), seriam os alvos mais óbvios.
Ataques mútuos diretos, no entanto, levariam a uma guerra total – uma perspectiva apavorante.
Segundo o site Elaph News, de propriedade de um saudita e base em Londres, com uma razoável dose de credibilidade, Israel está fazendo simulações de bombardeios múltiplos a instalações nucleares do Irã, caso seja alvo de um ataque retaliatório em grande escala.
O Irã protege as instalações onde produz material para sua futura bomba nuclear colocando-as no interior de montanhas, cercadas por baterias antiaéreas. Um ataque aéreo direto de Israel seria de alta complexidade, tendo que passar sobre a Síria (onde a Rússia ainda tem a supremacia aérea) ou sobrevoar a Arábia Saudita. Tudo, obviamente, muito complicado.
Sem contar que um ataque direto do Irã poderia arrastar os Estados Unidos para o conflito.
Apesar do fanatismo e do palavrório inflamado, o regime iraniano é um ator racional e não quer um confronto direto com a maior potência mundial. Um exemplo: teve reação similar de fúria e ameaças quando Donald Trump autorizou que um drone explodisse o chefão da Guarda Revolucionária, general Qasem Suleimani, quando desembarcava no aeroporto de Bagdá, em 2020.
Suleimani foi identificado por um anel na mão separada do resto do corpo. Foi uma resposta a ataques contra forças americanas no Iraque e até hoje não houve a represália prometida para vingar o general, tratado como um dos maiores mártires do regime teocrático. Talvez seja um prato que os responsáveis pelo regime estejam deixando esfriar bastante. Ou talvez saibam que não podem confrontar os Estados Unidos numa escala que não ficaria sem reação.
“DATA MARCADA”
A situação no Oriente Médio ficou mais enigmática depois da inesperada manobra de Israel no domingo, retirando suas forças do sul de Gaza.
A desmobilização tira de Israel o mais importante instrumento de pressão para negociar um compromisso que implique na libertação pelo menos de uma parte dos reféns.
Teria Israel algum trunfo a ser jogado? Alguma próxima manobra que ninguém está esperando – e que ao mesmo tempo não corroa o já abalado apoio americano?
Esse apoio sofreu mais um abalo ontem, quando o presidente Joe Biden disse que acha “errada” a atitude de Netanyahu e “não concorda” com o que ele está fazendo.
O primeiro-ministro prometeu que o ataque ao último reduto do Hamas, em Rafah, “já tem data marcada”, embora a súbita retirada indique exatamente o oposto. Se não fizer isso, ele pode simplesmente perder o apoio da extrema direita que garante o seu governo.
Nesse momento, é difícil ver como o ataque final aconteceria e a retirada “espantosa”, na definição do analista militar Yonah Jeremy Bob, do Jerusalem Post, é “uma admissão de fracasso”.
Outra possibilidade é que Israel precise se concentrar na represália iraniana e esteja jogando com a visão colocada em vários lances à frente. Quais são eles?