“Antes, os bandidos mostravam orgulhosos suas tatuagens, elas lhes davam status, identidade e prestígio e serviam para atemorizar suas vítimas. Agora queimam o corpo para tentar ocultá-las”, tuitou Nayib Bukele, com as devidas fotografias, algumas mostrando queimaduras sangrando.
“Seja como for, irão envelhecer na cadeira. Seus delitos não prescrevem”.
Líderes políticos que cantam vitória no combate ao crime não são nada infrequentes. Difícil é ter resultados reais como as prisões em massa desencadeadas em El Salvador a partir do violento fim de semana no fim de março, quando 87 pessoas foram assassinadas.
Bukele desceu o relho: decretou um regime de exceção com quinze dias de prisão temporária, sem mandados judiciais, e colocou as forças de segurança para fazer prisões em massa. A partir daí, as cenas de adolescentes e homens jovens usando só cuecas brancas, em fila, nos pátios e corredores, tornaram-se comuns.
Com o aumento da população carcerária, Bukele diminuiu as refeições diárias para duas – e avisou que, se a onda de homicídios continuasse, os presos ficariam “sem um grão de arroz”.
Resultado? A criminalidade diminuiu notavelmente e 91% da população aprovou as medidas.
Essa é a realidade latino-americana, particularmente ampliada num país pobre, pequeno e violento como El Salvador, com uma área equivalente a metade do estado do Rio de Janeiro e duas grandes organizações criminosas, a Mara Salvatrucha (MS-13) e a Barrio 18, comandando cerca de 70 mil homens e meninos – alguns recrutados à força.
Estado de direito, inclusive com garantias a inocentes, suspeitos e culpados, funciona quando existe uma percepção razoável de que crimes serão punidos e que a sociedade não está subjugada a criminosos.
Quando não, o caminho está aberto a espertos como Bukele, sobre quem os oposicionistas dizem que fez um acordo com as gangues para controlar a violência e decretou as medidas de exceção, inclusive a responsabilidade penal a partir dos doze anos, quando as matanças mútuas romperam o entendimento.
As extorsões impostas a todas as atividades econômicas, inclusive os mais humildes vendedores de rua, diminuíram e a popularidade de Bukele disparou de novo. Ao todo, estão presos 34 mil integrantes de organizações criminosas, dos quais 20 mil apanhados ao longo de abril.
Um empresário do transporte por ônibus, Juan Pablo Álvarez, entrevistado pela agência AFP, disse que algumas rotas já estão livres das extorsões. Ele foi prefeito de uma cidade na periferia de San Salvador e fez um balanço dos efeitos do crime: “Enterrei meu irmão, dez empresários e 25 funcionários, na maioria motoristas”.
O New York Times fez uma reportagem, evidentemente crítica, sobre a onda de prisões, que começa com o caso de um sapateiro, Heber Peña, cuja família tenta provar que foi preso por engano.
“Fora isso, tudo o que o presidente fez é magnífico”, elogiou um irmão do preso.
Bukele, que completou 40 anos na presidência, consegue ser aprovado até quando faz algo que a população não abraça, como a implantação do bitcoin como moeda de curso legal – obrigatoriamente aceita por todos os agentes econômico.
Apenas 20% dos salvadorenhos estão usando a moeda alternativa. A medida “implica em graves riscos para a integridade financeira e do mercado”, avisou o FMI, que tem sérias dúvidas sobre a capacidade de El Salvador de pagar 800 milhões de dólares em bônus da dívida que vencem em janeiro do ano que vem.
Apesar de ter aumentado a arrecadação, Bukele não tem a menor intenção de cortar gastos. Ao contrário, está planejando a Bitcoin City, um sofisticado e ambicioso projeto de construção de um centro de “mineração” da criptomoeda. A previsão é de atender altíssima demanda por eletricidade para mover os computadores desse tipo de atividade com a energia geotérmica do vulcão Conchagua, com instalações já em funcionamento.
Bukele até está lançando o “bônus vulcão”, com o objetivo de levantar um bilhão de dólares para o projeto da Bitcoin City. A resposta até agora foi zero.
É difícil divisar o que é visionarismo e o que é enganação de um populista que colocou um irmão e um tio em postos importantes da economia e fez da imagem de renovação – incluindo o boné ao contrário – um instrumento de marketing do “governo pelo Twitter”.
Os adversários políticos dizem que Bukele, de família de origem palestina, instituiu a modalidade “populismo punitivo” com a onda de prisões em massa e a promessa de que “só existem dois caminhos para os criminosos: cadeia ou morte”.
Todo mundo sabe que a violência na América Latina tem raízes estruturais profundas que demandam mais do que medidas punitivas. Mas poucos conseguirão convencer populações assoladas pelo crime, vendo seus filhos cooptados para o mau caminho e o domínio da ilegalidade reinando em suas vidas, a deixar de achar que cadeia para os bandidos é uma coisa boa.
Cada vez que Nayib Bukele diz que os presos “não saíram uma vez de suas celas para ver a luz do sol” e que a comida será racionada até a extinção se o crime continuar ou mostra tatuagens – a marca das gangues – arrancadas a fogo da pele, está ganhando popularidade. E comprovando a nossa incapacidade de ter sociedades realmente democráticas, funcionais e comandadas pelo império da lei, não do crime.