Black blocs, cabelos azuis e ponchos vermelhos, todos de paus e pedras na mão, estão mantendo Chile e Bolívia em surto constante.
Os dois países se transformaram em símbolos importantes que ultrapassam seus problemas e conflitos internos.
O estável Chile, com os melhores indicadores econômicos da América Latina, está simplesmente implodindo, para alegria da esquerda que sonha com o momento em que Sebastián Piñera pegue um avião de sua ex-companhia aérea e suma do mapa.
Na Bolívia, o menos fracassado dos bolivarianos já pegou o avião, enviado pelo México.
Mesmo assim, Evo Morales ficou horas no Paraguai, sem autorização para sobrevoar o espaço aéreo boliviano.
Só conseguiu ir para o exílio porque o Brasil autorizou que o avião militar mexicano cruzasse seu espaço aéreo.
Uma ironia, certamente, mas com a intenção clássica de ajudar na pacificação do país.
Está difícil. Com metade da Bolívia em estado de rebelião popular, militares e policia aquartelados, Evo foi um cordeirinho na hora de renunciar.
Em questão de horas, virou lobo e incitava a resistência, o que continua a fazer no México.
Os “ponchos vermelhos” e outras organizações indígenas e sindicais, suas bases de apoio, estão nas ruas – bloqueadas, como sempre.
A reação pode ser interpretada mais como vingança em massa, com episódios bárbaros, mas a realidade é mais complicada.
Numa situação bizarra como só a América Latina consegue produzir, o congresso boliviano continua a ter grande maioria do partido de Evo, o MAS, Movimento para o Socialismo, e alguns ministros do governo dele continuam a se considerar em funções.
A nova presidente, Jeanine Áñez, uma senadora da oposição a Evo que ocupou o espaço deixado pela vacância em série, montou um governo novo e renovou a cúpula militar.
No papel e com a força armada, seguindo a hierarquia, a seu lado, tem legitimidade. Na prática, isso ainda terá que ser comprovado.
Só para dar uma ideia do tamanho da encrenca: ela tem que convocar eleições presidenciais, visto que a ilegitimidade por fraude em escala maciça foi o empurrão para a fuga de Evo.
Mas o que o impediria de ser candidato? Como seria um retorno à Bolívia? E se nomeasse um preposto?
REENCARNAÇÃO
Nem a mais inocente das almas tem o direito de imaginar que isso não está sendo tramado em escala internacional.
Aliás, nem a esquerda populista faz nada para esconder. Inclusive porque o internacionalismo sempre foi um dos fundamentos dos movimentos de esquerda.
Como numa reencarnação do Foro de São Paulo, apareceu do nada o chamado Grupo de Puebla.
O encontro foi na Argentina, onde a “reconquista” foi pioneira com a vitória de Cristina Kirchner, perdão, Alberto Fernández.
Entre os presentes, Dilma Rousseff, Fernando Lugo – o ex-bispo cheio de filhos que foi presidente do Paraguai até uma saída à la Evo, sem a parte do quebra-quebra – e Ernesto Samper, outro ex-presidente, da Colômbia, que foi ficando mais esquerdista com o tempo.
O vice-presidente boliviano, que cairia fora dias depois, também estava lá.
Mais: Fernando Haddad e Marco Enríquez Ominami, candidatos derrotados, mas bem votados, no Brasil e no Chile.
Ominami, filho de um dos fundadores do MIR, o grupo castrista que mesmo antes do golpe militar já praticava ataques armados, foi criado no exílio na França e, hoje, seria de esquerda soft no Chile, tamanha a radicalização e a violência de caráter anarquista do quebra-quebra.
É claro que o Grupo de Puebla, uma espécie de contraponto ao Grupo de Lima, tem sintonia com Venezuela e Cuba.
Em circunstâncias já comprovadas, a sintonia vai além da identificação ideológica e do planejamento tático e estratégico conjunto.
Um pequeno sinal: quatro cubanos do Mais Médicos boliviano, chamado Brigada Médica Cubana, foram detidos por atividades que não tinham nada a ver com atendimento ambulatorial ou similar.
Um levava uma mochila com o equivalente a 13 mil dólares. Outro nem médico era.
Entenderam bem?
Christian Slater Escanilla, coronel chileno reformado, defendeu no site Ojo Digital, da direita que sabe escrever, argumentar e dizer seu nome bem alto, que a situação atual no Chile, e antes dele no Equador e no Peru, é de “guerra híbrida e não de escaramuças com aqueles que praticam atos de vandalismo”.
“Estes indivíduos operam, no melhor dos casos, como idiotas úteis de um plano estratégico liderado pelo eixo Cuba-Venezuela.”
“Trata-se de um plano cuja meta é sabotar a confiança dos cidadãos chilenos em suas instituições, provocando irrupção nos poderes do Estado, desconfiança face à gestão e à liderança do governo e promovendo a desqualificação contra a ordem estabelecida na Constituição – ao mesmo tempo em que se constrói um ataque sistemático contra o ecossistema empresarial do Chile.”
A linguagem evoca, inevitavelmente, a situação pré-golpe no Chile. É uma tristeza ver tamanha regressão. E mais triste ainda ver que os paranoicos algumas vezes têm razão.
“A meta final é influir no processo de tomada de decisões de um governo e de seu presidente”, escreveu Slater.
Depois de soltar dinheiro para aposentadorias, entre várias medidas contrárias à doutrina de equilíbrio fiscal, e mudar o ministério, Sebastián Piñera jogou a última carta: a convocação de uma Constituinte.
Ontem o Congresso votou para que uma nova Constituição, sob o signo da paz social, seja submetida a plebiscito em abril do ano que vem.
É uma medida, obviamente, desesperada. O Chile não precisava de outra Constituição antes da explosão dos protestos e continua não precisando.
A prova definitiva será vista a qualquer momento.
Se as garotas de cabelo azul e os black blocs pararem as depredações em massa, é porque eram, na verdade, especialistas em assuntos constitucionais que estavam expressando suas frustrações acadêmicas de forma um pouco mais enfática.
Se não pararem…