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A história conspurcada

Como o politicamente correto agora apresentou um imperador trans

Por Vilma Gryzinski 3 dez 2023, 08h00

Calígula instalou-se na história como sinônimo de devassidão chocante até para os padrões da moral sexual romana e Nero como o protótipo do tirano enlouquecido. Sobrou quase nada para Heliogábalo no capítulo dos césares pervertidos. Imperador por apenas quatro anos, dos 14 aos 18, ele teve tempo para cinco casamentos (homens, mulheres, até uma teoricamente intocável vestal) e diversões como servir miolo de flamingo ou soltar ursos e leões entre os convidados de seus banquetes, dos quais o mais famoso — e historicamente contestado — é o em que o teto se abriu, liberando gigantescas quantidades de pétalas de rosa que sufocaram os convivas. O original episódio consta da História Augusta, coletânea ao estilo Os Doze Césares, de Suetônio. Periodicamente, estas obras são contestadas — é assim que caminha a história, olhando para trás e perguntando “será que aconteceu mesmo?”.

A onda atual de revisionismo não tem a ver com o desejo de estremecer o excesso de reverência, mas implantar o visão woke, ou politicamente correta. Os absurdos que isso gera são de dar risada — ou arrancar os cabelos. Um dos mais recentes foi o do pequeno museu de North Hertfordshire, típica instituição do interior da Inglaterra que rompeu com a pasmaceira ao decidir que Heliogábalo passaria a ser tratado pelo pronome “ela”. O museu tem um único objeto que remete à época do imperador: uma moeda quebrada, provavelmente resultado da prática da damnatio memoriae, a condenação da memória, uma espécie de precursora do cancelamento em que os rostos de estátuas e efígies de imperadores considerados traidores pelo Senado eram apagados. Nova descrição de Heliogábalo: “O imperador foi durante muito tempo considerado louco e um dos piores de Roma, mas talvez hoje seja melhor vê-lo como um adolescente transgênero”. Isso muda tudo, não?

“O revisionismo não tem a ver com o desejo de estremecer o excesso de reverência”

Os bons curadores do museu inglês não estão sozinhos na alucinação: toda uma corrente da arqueologia prega que esqueletos e outros despojos que tanto contam sobre o passado não sejam identificados por sexo porque “não se sabe com qual gênero aquela pessoa se identificava”. Exceto, obviamente, se for conveniente ao pensamento woke fazer justamente isso. Um estudo ligado ao Museu de Londres alega que o exame de crânios numa cova coletiva usada durante a peste negra comprova preconceito contra mulheres negras — cuja existência na Londres do século XIV, em números para sustentar uma pesquisa desse tipo, não é reconhecida. Mas os autores consideram comprovados os “efeitos devastadores” do que chamam de “racismo estrutural pré-moderno”.

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O revisionismo histórico descabeçado criou no Brasil, um país com tantos historiadores brilhantes, uma visão profundamente distorcida que ridiculariza personagens e acontecimentos importantes para nossa formação — e compreensão — nacional. De certa maneira, fomos precursores na história woke e é alta a probabilidade de que em algum momento personagens importantes terão seus pronomes mudados, tal como Heliogábalo, e assim aparecerão em algum concurso de avaliação de estudantes. “Deus não pode alterar o passado, mas os historiadores podem”, diz uma das tiradas mais conhecidas de Samuel Butler, o escritor inglês do século XIX. Tratado como um homossexual no armário, talvez também mudem seu pronome: ser gay, hoje, não basta; trans está mais na moda.

Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870

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