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A guerra que nunca acabou: como a Coreia gerou monstros

China, União Soviética e comunistas coreanos provocaram a guerra que matou quatro milhões e produziu alguns dos mais abomináveis tiranos vermelhos

Por Vilma Gryzinski 27 abr 2018, 19h04
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  • Jovial, simpático e sereno, o Kim Jong-Un que cruzou a linha do armistício para trocar amabilidades de importância histórica e se comprometer a acabar com uma guerra que começou há 65 anos parecia, literalmente, outra pessoa.

    Onde estava o tirano rubicundo, com comportamento de adolescente problema, que mandou fuzilar o tio e envenenar com gás tóxico o irmão, entre inúmeras atrocidades que continuaram a manter a população norte-coreana em situação equivalente à de escravidão, tal como fizeram seu pai e seu avô?

    As forças que conspiraram para o avanço de tirar o fôlego ainda serão estudadas por muito tempo.

    Por enquanto, é possível dizer que pesaram a pressão americana, a disposição positiva da China e sabe-se lá mais que ideias passaram pela cabeça do jovem ditador hereditário – incluindo o desmoronamento do Monte Mantap, o maciço de mais de dois mil metros de altura onde a Coreia do Norte fazia testes nucleares.

    Os testes do tipo eram feitos em túneis escavados no coração rochoso da montanha e revestidos de concreto. O último deles foi em setembro passado, com uma carga de 250 quilotons, 17 vezes mais que a bomba de Hiroshima.

    Desde o tratado de 1996 que acabou com todos os tipos de testes subterrâneos, de superfície ou marítimos, só a Coreia do Norte continuou a testar armas nucleares, mais como instrumento de chantagem geopolítica do que por necessidade.

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    Ao todo, desde a primeira comprovação prática do apocalítico poder de destruição dos átomos partidos de urânio ou plutônio, em 16 de julho de 1945, no segredo do projeto Manhattan em Los Alamos, foram feitos 2056 testes nucleares pelos países detentores da mãe de todas as bombas.

    Quando a guerra da Coreia começou, em junho de 1950, a União Soviética e a China recém- conquistada pelos maoístas tinham exatamente zero bombas atômicas.

    Mesmo assim, desafiaram a única potência nuclear, os Estados Unidos, que haviam usado a vantagem estratégica para antecipar o fim da guerra com o Japão, ao arquitetar, armar e desfechar os invasores norte-coreanos na tentativa de unificar na marra o país, já dividido na prática, mas até então sem conflito.

    “Está claro que os Estados Unidos da América desviaram a atenção da Europa porque estão ocupados demais do Extremo Oriente”, escreveu Stálin numa carta a Klement Gottwald, presidente da Checoslováquia e assíduo nos jantares em que o czar vermelho submetia a cúpula comunista a debates e humilhações.

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    “Isso nos dá uma vantagem no equilíbrio global de poder? Indubitavelmente, dá.”

    O telegrama escrito dois meses depois de desfechada a invasão e revelado publicamente em 2005, colabora para a teoria de que Stálin provocou deliberadamente o envolvimento dos Estados Unidos.

    Gottwald, golpista e rematado assassino de comunistas, como seu ídolo (tão sabujo que morreu na volta do enterro de Stálin), havia perguntado por que a União Soviética tinha escolhido não participar da reunião do Conselho de Segurança da nascente ONU que aprovou o envio de tropas à Coreia para enfrentar a invasão.

    Como o passado é constantemente reescrito, por bem ou mal intencionados, a maquinação de Stálin pode ser apresentada como uma manobra habilíssima – os Estados Unidos realmente se enrolaram na guerra da Coreia – ou como uma burrice fenomenal.

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    Em qualquer das duas opções, quatro milhões de vidas foram tragadas pelo conflito, uma ninharia para os padrões stalinistas.

    E só não houve outro holocausto nuclear por causa de Harry Truman. Juiz de primeira instância criado na roça e catapultado à presidência nos momentos finais da II Guerra Mundial com a morte de Franklin Roosevelt, ele não quis repetir a gravíssima decisão que tomou, para evitar um morticínio maior ainda no Japão, de mandar jogar as duas primeiras e únicas bombas atômicas jamais usadas.

    Truman chegou a aprovar o deslocamento de bombas atômicas para o Extremo Oriente, mas não aprovou seu uso. Por causa disso, demitiu um dos maiores generais da história americana, Douglas MacArthur, com todas as medalhas conquistadas em campo de batalha.

    O plano do general, de desmantelar completamente as forças chinesas que reforçavam a invasão norte-coreana, foi descrito por ele mesmo: “Eu teria jogado 30 ou 50 bombas atômicas táticas. Elas destruiriam a força aérea do inimigo em solo.”

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    O plano de MacArthur incluía uma invasão por terra do exército nacionalista chinês, recém-derrotado, sob orientação dos marines. E para evitar futuras invasões, “um cinturão de cobalto” radiativo.

    “Eu poderia ter ganhado a guerra em no máximo dez dias, com muito menos baixas que sofremos.”

    Como o general, herói de guerra, começou a ir além do que as cinco estrelas no ombro autorizavam, Truman o demitiu. Depois, famosamente, declarou: “Eu o demiti porque não respeitava a autoridade do presidente. Não o demiti por ser um cretino filho da ****, embora ele seja.”

    Mas Truman não “ganhou” a guerra, tecnicamente, interrompida por um armistício

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    Enquanto um gênio da guerra, e da paz também, como se viu no Japão, era mandado para o pijama, a União Soviética e a China instauraram a rede de proteção que permitiu a permanência e sobrevivência de Kim Il Sung, avó do baby Kim, criação de Laurenti Beria, o perverso e maquiavélico chefe da polícia política stalinista.

    Muito tempo depois de um derrame cerebral levar Stalin e um tiro na testa acabar com Beria, Kim Il Sung continuou reinando como uma espécie de ditador-sol.

    Pegou todas as piores características do comunismo soviético e do maoísmo, acrescentando muita coisa de criação própria. O culto à personalidade virou uma espécie de religião onde Kim Il Sung era venerado como divindade.

    O grotesco seria de dar risada (entre outras coisas, ele inventou o metrô, a universidade e o jornalismo, dizia a incessante lavagem cerebral ) se não fosse pela miséria que instaurou, num país já destruído pela guerra que havia ajudado a provocar – a economia da Coreia do Sul, por exemplo, é 40 vezes maior do que a do Norte.

    As palhaçadas tétricas prosseguiram com o filho, Kim Jong-Il, que começou a andar com três semanas de vida e a andar com oito, escreveu mais de 1 500 livros e inventou o hambúrguer.

    Kim Jong-Un, o neto, é o melhor jogador de golfe do mundo, pilota avião sem nunca ter feito curso, compôs músicas aplaudidas no mundo inteiro e sabe onde vivem os unicórnios, um segredo descoberto por cientistas norte-coreanos.

    Se o preço a pagar por um acordo de paz que interrompa o programa nuclear bélico for dizer “Sim, meu garoto, você é tudo isso e muito mais”, que tragam os unicórnios.

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