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A guerra de Gallant: ministro pregava atacar Hezbollah; agora é a chance

Entrar por terra no Líbano é a etapa inevitável e perigosa; Israel sempre se saiu mal dessa experiência, mas o ministro da Defesa banca ofensiva diferente

Por Vilma Gryzinski 1 out 2024, 06h42

Forças israelenses já estão operando em terra contra o Hezbollah no sul do Líbano, desfechando ataques “limitados, localizados e dirigidos”. É a guerra que Yoav Gallant, o ministro da Defesa, propôs desde o começo do atual ciclo de conflito, garantindo que dessa vez será diferente. Se, dentro do governo, já venceu duas tentativas de Benjamin Netanyahu de derrubá-lo, talvez seja mais fácil enfrentar o Hezbollah.

Gallant, obviamente, é apenas um dos altos operadores de um plano que tem toda a participação das Forças de Defesa de Israel e dos órgãos de espionagem e de segurança, como o Mossad e o Shin Bet. O objetivo é criar uma zona de amortecimento, uma área na fronteira do Líbano com Israel que impeça os ataques constantes com foguetes com que ninguém, dos governos que hoje condenam Israel, estava preocupado, mesmo que fossem para “matar inocentes” – poucos, por causa do forte esquema defensivo de uma nação que protege sua população.

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O chefe do estado-maior das Forças de Defesa, Herzi Halevi, também sempre defendeu a antecipação da ofensiva contra o Hezbollah, considerado um inimigo muito mais forte do que o Hamas, e desprovido do escudo humano, formado por reféns israelenses, que garante a sobrevivência de Yahya Sinwar em Gaza.

O ministro da Defesa queria que a operação contra o Hezbollah fosse desfechada logo depois do 7 de Outubro, mas só houve consenso no governo nas últimas semanas.

Tanto em Gaza quanto do Líbano – com a diferença que este é um país com plenos direitos, embora dominado por uma milícia armada que expressa a vontade de apenas uma parte da população, a xiita – a questão fundamental é a mesma: se Israel entrou, quando haverá as condições para sair?

Não existem respostas fáceis – e mesmo as difíceis são escassíssimas.

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ANTRO DO TERROR

Até agora, a sequência de golpes fulminantes, dos pagers explosivos à eliminação de Hassan Nasrallah no bunker subterrâneo em Beirute onde se imaginava protegido, tem sido considerada a maior vitória de Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando o estado judeu venceu a coalizão de exércitos árabes que pretendiam eliminá-lo.

A exposição dos inimigos de Israel é tanta que foi bombardeado até o chefe do Hamas no Líbano, Fateh Sherif. Ele dava expediente duplo como diretor de uma escola mantida pela agência da ONU para refugiados palestinos, a UNWRA, um antro de proteção ao terrorismo que funciona com verbas pagas pelos países membros da organização mundial. Ah, sim, a direção da agência cooptada disse que ele estava de licença, enquanto suas atividades extracurriculares eram investigadas.

Como sabem todos os israelenses envolvidos, os problemas começam agora: não existe jeito de garantir a segurança da população deslocada do norte de Israel, o objetivo declarado da guerra (o não declarado é criar uma zona de amortecimento no sul do Líbano e dizimar o maior número possível de membros do Hezbollah) sem amplas operações em terra e dizer que serão “limitadas” não muda isso.

Os precedentes são altamente negativos. Israel entrou no Líbano várias vezes, para enfrentar os ataques terroristas da Organização para a Libertação da Palestina, que chegou a dominar uma ampla região do país, depois de ser expulsa da Jordânia por tentar derrubar o rei Hussein e tomar o poder, e também o Hezbollah, em várias das etapas de sua formação.

MASSACRE DE QANA

Foram, no geral, experiências ruins, com vitórias temporárias ou inconclusivas, extremo desgaste e até desmoralização de Israel.

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Houve episódios pavorosos, como o massacre de Qana, em 1996, quando um bombardeio israelense errado matou 106 civis abrigados num refúgio oferecido pelo quartel-general da ONU na região (que também nunca impediu os ataques do Hezbollah contra Israel). Alguns cristãos acreditam que a localidade é a Caná bíblica onde Jesus transformou água em vinho, seu primeiro e modesto milagre para atender um pedido da Mãe e aos convidados das bodas onde faltou bebida.

A nova configuração da guerra ao Hezbollah mostra que a abordagem mudou e a sequência de ataques localizados fulminantes produz um inimigo com cadeia de comando completamente desarticulada. Mas o Hezbollah tem uma formação tentacular, o conhecimento natural do terreno e a colaboração, voluntária ou forçada, de toda a população do sul. Fora dinheiro, armas e apoio logístico e doutrinário do Irã.

Será dessa vez diferente?

UNIFORME DE GUERRA

Yoav Gallant aposta que sim. A eliminação de Nasrallah, “assassino de milhares de israelenses e de cidadãos estrangeiros”, como disse, é um trunfo que, militarmente, precisa ser explorado com rapidez.

O ministro é um general da reserva que começou como comando de operações especiais navais, morou no Alasca, estudou administração em Harvard, entrou para o Likud, o mesmo partido de Bibi, e adotou como “uniforme” de guerra camisa e calça pretas, tornando-o uma figura imediatamente identificável.

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Sua mãe foi para Israel ainda pequena, deixando a Polônia, destruída pela Alemanha e ocupada pela União Soviética, e embarcando no célebre navio rebatizado de Exodus, capturado pelas forças britânicas, que então tinham o poder no que era ainda chamado de Palestina, e mandado de volta para a Alemanha ocupada. É uma das sagas que compõem a narrativa da fundação do moderno estado de Israel.

CASCA DURA

Segundo pesquisas de opinião, Gallant é o ministro mais bem avaliado do governo Netanyahu. Inclusive por sua teimosia: o primeiro-ministro já anunciou sua demissão, mas ele continuou indo trabalhar e a coisa ficou por isso mesmo.

Durante uma viagem dele aos Estados Unidos, Netanyahu mandou que o serviço diplomático israelense não lhe prestasse nenhum tipo de apoio.

Mas o sujeito tem casca dura. Recentemente, era dada como certa sua troca por Gideon Saar, de um outro partido de direita, mas este disse que jamais aceitaria o cargo. Com a grande reviravolta das operações bem sucedidas no Líbano, Saar entrou para o governo e aumentou o nível de conforto de Netanyahu, que deixa de depender, para ter maioria no parlamento, dos partidos ultranacionalistas. Adicionalmente, pode deixar Gallant mais vulnerável? Não é impossível.

Como todos os líderes civis e militares de Israel, Gallant carrega a enorme responsabilidade de não ter preparado o país para uma invasão do Hamas como a de 7 de Outubro, prestes a completar um ano. O modo como se desenrola agora a guerra contra o Hezbollah, do qual foi um dos defensores desde o começo, definirá a maneira como é julgado, pela população e pela história.

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REALISMO E MILAGRES

Israel chega nessa quinta-feira a seu ano 5785 em guerra por ar e terra em duas frentes, com extremas divisões políticas internas e algumas dezenas de reféns ainda em poder do Hamas. A operação terrestre no Líbano, seja de qual magnitude for, aumenta extremamente os seus riscos.

Ao mesmo tempo, a sucessão de feitos impressionantes nas últimas semanas renova as esperanças de uma evolução positiva – e de que personalidades como Yoav Gallant deixem uma imagem boa para o país, não a de fracassados em sua defesa.

A invasão por terra do Líbano, com novas táticas e uma ruptura com os erros do passado, poderia, ao contrário dos prognósticos justificadamente pessimistas, ajudar a acabar com a guerra e seus horrendos efeitos sobre as diferentes populações?

Dizia David Ben-Gurion, um dos fundadores do estado moderno judeu: “Em Israel, para ser realista, é preciso acreditar em milagres”.

HORA EXTRA

Isso e mais um bocado de planejamento, estudo, treinamento, engajamento e criatividade. Embora ninguém do nível de decisão de Gallant e outros integrantes da cúpula israelense possa se dar ao luxo de dispensar os milagres.

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Obviamente, muitos crentes dizem que eles já estão acontecendo.

O maior de todos eles seria um amplo acordo de, pelo menos, não guerra, com participação dos países árabes que querem a normalização em troca de benefícios dos Estados Unidos e pelo menos um projeto de criação de um estado palestino.

O Hezbollah aceitaria um cessar-fogo nessas condições, o Hamas soltaria os reféns e Israel recuaria em troca de garantias de pacificação.

Gradualmente, se desenvolveriam as condições para Israel e Líbano, que não têm contenciosos, se aproximar e se beneficiar mutuamente, enquanto os palestinos também colheriam as vantagens da normalização, num ambiente de segurança para todos.

D*us tem que fazer muita hora extra para conseguir tudo isso.

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