A doença paralisante ajudou Stephen Hawking a ficar famoso?
Um gênio aprisionado num corpo imobilizado criou uma narrativa poderosa que jogou num buraco negro erros teóricos e falta de noção do físico-celebridade
“Em que o senhor pensa mais ao longo do dia?”, perguntou em 2012 o entrevistador da revista New Scientist a Stephen Hawking.
“Em mulher. Elas são o maior mistério.”
Jogar para a plateia e dar respostas que certamente estavam fora do padrão cientista sério foram alguns dos recursos usados pelo físico para alimentar o personagem que criou, por acaso ou escolha, jogando os dados que a vida lhe deu.
No caso de Hawking, o gracejo era também verdadeiro. Cm a fama de físico-celebridade e explicador do universo mesmo para quem não entendia a explicação, ele virou um cliente badalado de casas de strip tease onde as profissionais dançam no colo do freguês.
O costume ensejou uma tirada memorável, não do gênio da física e das frases, mas do dono da boate que frequentava em Londres. Peter Stringfellow.
“Eu me apresentei a ele disse: ‘Senhor Hawking, é uma honra conhecê-lo”, contava Stringlellow. “Se o senhor tiver um minuto, eu gostaria de conversar sobre o universo.”
“Ou o senhor prefere olhar as meninas?”.
Olhar as meninas ganhou um aspecto mais sinistro quando Hawking apareceu na “ilha dos pedófilos”, o refúgio no Caribe do milionário americano Jeffrey Epstein.
Antes de ser condenado por indução de prostituição a menores de idade, Epstein costumava levar homens influentes para temporadas na ilha repleta de adolescentes “recrutadas” nos Estados Unidos e na Europa.
Bill Clinton e Donald Trump foram alguns dos passageiros do “expresso Lolita”, o apelido dado ao avião particular de Epstein. (O milionário foi professor de física e cálculo, num colégio de Nova York, antes de entrar no mercado financeiro.)
Como vítima de uma doença de pesadelo, o equivalente neuronal a ser enterrado vivo, Hawking não podia fazer quase nada e, ao mesmo tempo, podia tudo.
É impossível calcular quanto a doença influenciou na fama e fortuna (uns 20 milhões de dólares) dele, mas não é possível ignorar o apelo da história do gênio que foi sendo desativado em todas as funções biológicas pela natureza, e não só resistiu como triunfou.
Triunfos relativos e algumas vezes desacreditados cientificamente, como no caso da “guerra do buraco negro”, o confronto teórico entre Hawking e o físico americano Leonard Susskind.
Susskind, um dos criadores do modelo da teoria das cordas e desbravador do mesmoterritório perigoso da conciliação entre teoria da relatividade geral e mecânica quântica, ganhou.
Como este é um campo de alta volatilidade, vamos reproduzir como a jornalista inglesa Helena de Bertodano retratou o encontro em 1981 entre Hawking e Susskind no qual o físico inglês “fez a espantosa afirmação de que a matéria que cai num buraco negro desaparece para sempre”.
“Se correto, significaria que as leis fundamentais do universo teriam que ser reescritas. Para um teórico como Susskind, isso era impossível: o princípio central da mecânica quântica é que a informação nunca pode ser aniquilada.”
Susskind, que também virou uma espécie de celebridade, nem de longe diminuiu a estatura de Hawking, a quem definiu como “um dos grandes físicos de todos os tempos”.
“Ele fez as perguntas certas, o que muitas vezes pode ser mais importante do que encontrar as respostas certas”, disse.
Hawking reconhece sua “maior mancada”. “Eu achava que a informação era destruída nos buracos negros”, disse ao entrevistador da New Scientist, que citou a constante cosmológica como o equívoco de Einstein. “Foi minha maior mancada, pelo menos a maior em ciência.”
Ter um QI acima de 160 (embora quem fique se exibindo nesse quesito “seja um bocó”) e ocupar a cátedra de matemática de Cambridge cujo primeiro detentor foi Isaac Newton não é pouca coisa.
O problema é que Stephen Hawking vivia num mundo cheio de outros gênios, preparados para contestá-lo. Foi o que aconteceu quando teimou na teoria dos buracos negros onde a informação vai para o horizonte de eventos.
“Não convenceu ninguém de que seu argumento era melhor do que o de Susskind”, escreveu outro ótimo tradutor da linguagem dos gênios para a dos mortais, Philip Ball.
“O episódio foi típico deu estilo de Hawking. Ele era audacioso e brilhante, mas nem sempre rigoroso o bastante para convencer completamente às vezes aparentemente guiado por uma intuição que podia dar muito errado, como quando apostou que nenhum experimento detectaria a partícula de Higgs.”
Hawking perdeu 100 libras com a aposta. Também perdeu o respeito de alguns que se movem no Olimpo da inteligência superior quando começou a falar de uma multiplicidade de assuntos da moda.
Segundo Philip Ball, o físico ganhou já no fim da carreira o direito que “fazer excursões” brilhantes em “ideias amplamente concebidas por outros”.
“Mas é menos claro que tenha conquistado o direito de se pronunciar sobre inteligência artificial, engenharia genética ou civilizações extraterrestres”.
No caso destas, ao comparar um contato de ETs com terrestres à catástrofe da “chegada de Colombo” ao Novo Mundo, errou ao fazer uma falácia da falsa comparação e por incorrer na ignorância de que vastas populações nativas continuam a existir em países como Paraguai, Bolívia, Peru e México.
Sobre o apoio ao movimento de boicote artístico e intelectual a Israel, demonstrou mais do que ignorância, uma falência moral.
Hawking podia ser mesquinho, usava a deficiência para criancices como passar com a cadeira de rodas em cima dos pés de gente de quem não gostava ((fez isso com o príncipe Charles) e tripudiava da primeira mulher por acreditar em Deus.
Quando esta não conseguiu mais “sentir desejo por alguém com o corpo de uma vítima do Holocausto e as necessidades de um recém-nascido”, Hawking autorizou que tivesse um caso com o organista do coral de sua igreja.
Esticou o olho para a enfermeira, Elaine Mason, com quem se casou logo depois do primeiro divórcio. Nas mãos dela, sofreu machucados e fraturas sucessivas, típicos de maus tratos.
Quando o caso chegou à polícia, depois que Elaine o deixou um dia inteiro no sol, causando graves queimaduras, negou todas as acusações.
Ao popularizar uma história unificada do universo em que o Big Bang, os buracos negros e o tempo de alguma maneira substituem as lendas sobre a criação do mundo de todas as culturas, Hawking atendeu a uma necessidade comum da era contemporânea.
Que o profeta da ciência não pudesse andar, respirar ou falar sem o computador que o traduzia para o mundo de certa forma correspondeu a um estereótipo. Oráculos cegos e até leprosos fazem parte da nossa memória coletiva.
Quando Deus apareceu como redemoinho para Jó, mostrou-lhe “coisas demais maravilhosas para mim, as quais não conhecia”.
De várias maneiras, foi isso que o brilhante, iluminado, imperfeito e humano Hawking fez.