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A ‘destransição’: o caso dos arrependidos que fizeram mudança de sexo

O mundo já está suficientemente complicado? Pessoas que agora rejeitam a transição de gênero acrescentam perguntas difíceis de responder

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 17 out 2022, 09h37 - Publicado em 11 out 2022, 07h10

“Eu descobri que estava competindo por homens com outras mulheres”. Talvez esta seja a mais sincera declaração a emergir no mundo das pessoas que estão se arriscando a dizer o que parece ser um tabu: arrependeram-se de cirurgias para mudança de gênero.

A lista de reclamações feita por Shape Shifter é longa. Além de perder os interessados que gostam de se relacionar com travestis, perdeu o impulso sexual com os hormônios femininos em doses altas e, principalmente, perdeu o pênis. Ela concluiu que era um homem homossexual que gostava de se vestir de mulher – o que continua a fazer, com longos cabelos loiros e muita maquiagem. Queria ter o pênis de volta ao lugar onde foi feita uma vagina cirúrgica que a deixou com problemas urinários, entre outros.

Um grupo de pessoas como Shape Shifter, mesmo sem seu nome provocante, mandou uma carta ao ministro da Justiça dos Estados Unidos, Merrick Garland, pedindo a reavaliação dos “experimentos médicos descontrolados que estão sendo feitos com crianças em hospitais em nome do ‘atendimento de afirmação de gênero’”.

As principais associações médicas americanas não só estão totalmente contra essa reavaliação, como pedem investigação e prisão de pessoas que a defendem.

Uma das mais conhecidas é Chloe Cole, que entrou na linha de tiro de um debate extremamente volátil, por motivos óbvios. Ela diz que, por influência de redes sociais e problemas com a imagem corporal, decidiu aos 12 anos que era trans. Aos 13, começou a tomar bloqueadores de puberdade e assumiu diante dos pais, que ficaram aturdidos com a opção apresentada pelo serviço médico onde a menina procurava tratamento: “Vocês preferem uma filha morta ou um filho vivo?”.

Com 15 anos, Chloe fez uma mastectomia dupla com reimplante dos mamilos, cirurgia que ela diz causar complicações até hoje. Com 18, se arrependeu de tudo.

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É ela um caso raro num espectro em que esse tipo de mudança faz mais bem do que mal? Como o fenômeno todo é novo, é difícil quantificar e os números que circulam a respeito não têm imparcialidade científica. 

Mas também é difícil ignorar que, para combater preconceitos e pressões sociais sobre os que rejeitam a própria identidade sexual, a questão da disforia de gênero tomou caminhos que levaram para um lado igualmente distorcido – sem falar nos riscos de intervenções radicais em jovens que estão passando pelo bombardeio da puberdade e as transformações físicas e psicológicas decorrentes.

Com que idade um menor deve iniciar a transição de gênero?

Obviamente, não há respostas fáceis. As que circulam entre instituições médicas renomadas também estão sujeitas a altos níveis de contestação. Um caso que causou impacto nos Estados Unidos foi o da psicóloga Kerry McGregor, do celebrado Hospital Pediátrico de Boston, que postou um vídeo dizendo que as crianças “sabem desde uma idade muito precoce, aos dois ou três anos” – ou até mesmo ainda “no útero da mãe” – que são trans.

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Como ela sabe disso?

Na Inglaterra, o único centro pediátrico do sistema público de saúde dedicado à questão, Tavistock, foi fechado depois que uma investigação independente pôs em dúvida a segurança médica dos menores submetidos a procedimentos lá.

A investigação foi fruto de um processo aberto em nome de Keira Bell. Numa história parecida com a de Chloe Cole, ela conta que teve uma infância complicada e uma adolescência pior ainda, achando que era a única menina do mundo a não gostar de ver os seios crescer e a penar com a menstruação. 

Aos 14 anos, com depressão e uma mãe alcoólatra, parou de ir à escola e começou a navegar por sites sobre a transição de gênero. Esse caminho a levou ao centro Tavistock, onde depois de “conversas superficiais com assistentes sociais”, passou a fazer tratamento com bloqueadores de puberdade. As aplicações de testosterona vieram pouco depois. Aos 20, tirou os seios. Tinha barba e se chamava Quincy. Daí, quis retroceder.

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“As consequências eram profundas: possível infertilidade, perda dos meus seios e da capacidade de amamentar, genitais atrofiados, voz permanentemente alterada, pilosidade facial”.

Keira Bell acha que os profissionais que a atenderam quando adolescente confusa “deveriam ter levado em conta todas as minhas comorbidades, não apenas minha esperança ingênua de que tudo poderia ser resolvido com hormônios e cirurgia”.

A causa aberta por ela junto ao supremo tribunal concluiu com a decisão que menores de 16 anos não têm maturidade para autorizar o uso de bloqueadores hormonais.

É claro que a questão da mudança de gênero é altamente politizada, com os dois polos acreditando que o lado oposto representa nada menos do que as forças do mal. Mas as argumentações de ambos, quando feitas com honestidade, precisam ser levadas em conta.

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O fato de que existam mais mulheres biológicas fazendo a “destransição” talvez reflita um número que não pode ser atribuído a fatores naturais: na Grã-Bretanha, ao longo da última década, houve um aumento de 4 400% no número de meninas que são encaminhadas para tratamento de mudança de gênero.

Cirurgias desse tipo podem trazer alegria e realização a quem sofria por se ver no “corpo errado” ou podem expressar modismos e precipitações que arruínam vidas. Não só profissionais de saúde, mas toda a sociedade têm que ter consciência que cada caso é único e precisa ser atendido com respeito, compreensão, conhecimento e ética não contaminada por ideologia.

Ninguém deveria ouvir conclusões como a de Shape Shifter: “Eu me sinto como se tivesse feito parte de uma cruel experiência médica e social”.

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