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Patrick Modiano, o escritor da lembrança

O escritor Patrick Modiano, vencedor do prêmio Nobel de Literatura 2014 Rita Loiola “Tenho a impressão de ter escrito um só livro, durante toda a minha vida”, disse o escritor francês Patrick Modiano, na primeira entrevista após receber o prêmio Nobel de Literatura, na última quinta-feira. “É como se eu parasse, fizesse uma pausa e […]

Por thiagoabril Atualizado em 31 jul 2020, 02h53 - Publicado em 11 out 2014, 09h06
O escritor Patrick Modiano, vencedor do prêmio Nobel de Literatura 2014

O escritor Patrick Modiano, vencedor do prêmio Nobel de Literatura 2014

Rita Loiola

“Tenho a impressão de ter escrito um só livro, durante toda a minha vida”, disse o escritor francês Patrick Modiano, na primeira entrevista após receber o prêmio Nobel de Literatura, na última quinta-feira. “É como se eu parasse, fizesse uma pausa e continuasse no mesmo livro, há 45 anos.”

Autor popular na França, que lança quase um título por ano desde sua primeira obra, La Place de l’Étoile, de 1968, Modiano tem uma escrita centrada na memória, na busca da identidade, no resgate de lembranças sombrias, obscuras – que fazem parte de todos nós.

Com a maior parte de seus enredos ambientados durante a ocupação dos nazistas na França, entre 1940 e 1944, seus protagonistas são personagens misteriosas, solitárias, que caminham pelas ruas e bairros de Paris em busca de seu passado, em uma atmosfera de névoa e recordações.

Às vezes, elas tomam a forma de detetives, como em Uma Rua de Roma, de 1978, lançado no Brasil pela Rocco e ganhador do Goncourt, principal prêmio literário francês. Neste livro, Guy Roland é um detetive profissional que, nos anos 1960, decide investigar a própria identidade, perdida em um acidente que o deixou com amnésia há mais de 15 anos.

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Em uma de suas obras mais traduzidas em outros países, Dora Bruder (1998), é o próprio autor que banca o detetive. A partir de um anúncio de jornal sobre o desaparecimento de uma garota judia na ocupação, o narrador vai buscando as pistas de Dora e, ao mesmo tempo, encontra indícios de seu próprio passado.

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Seus melhores personagens, entretanto, são aqueles que empreendem a busca sem a técnica profissional. São os homens e mulheres comuns, mergulhados nos afazeres do cotidiano, que buscam construir, com suas lembranças, um sentido para a existência. É assim em Des inconnues, (Os desconhecidos, em tradução livre), de 1999, ou Dans le café de la jeunesse perdue (No café da juventude perdida, em tradução livre), de 2007. Caminhando entre bulevares, parques, bistrôs e cafés parisienses, os protagonistas vão recolhendo os pedaços de sua vida, rastros de histórias perdidas, em um tempo suspenso entre o passado e presente.

Essas elipses e buracos das histórias – sempre curtas, seus livros não chegam a 200 páginas – se refletem com perfeição no estilo, repleto de pausas, reticências, reflexões e interrupções. Por meio de uma escrita limpa, cuidadosa e sofisticada, sem rastros de pedantismo, o autor vai envolvendo o leitor em uma atmosfera de nostalgia, fazendo surgir, diante dos olhos, parques envoltos em bruma, bairros adormecidos, cafés melancólicos.

Para apreciar muitos escritores, não é necessário conhecer seu passado, mas, no caso de Modiano, os elementos de sua história ajudam a compreender a sua obra. O tema constante da busca da identidade está estreitamente ligado às lembranças do escritor, filho de uma atriz belga e de um judeu que se conheceram durante a ocupação. Seu pai, que vivia entre misteriosas viagens, desaparece cedo da vida de Modiano, sendo um desconhecido para o filho. São essas vidas que deixam traços, sem nunca se mostrar por inteiro, que surgem em seus romances de modo contínuo e intenso.

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Seu último livro, Pour que tu ne te perdes pas dans le quartier (Para que você não se perca no bairro, em tradução livre), lançado em outubro, traz a história de um garoto abandonado nos anos 1950, que vive entre pessoas suspeitas. É mais um dos títulos com personagens que caminham por Paris buscando juntar rastros, vestígios, pistas que deem sentido à vida.

Com seus protagonistas perdidos, Modiano pega a mão do leitor e o leva para um mergulho em uma névoa de memória e encanto. Ler seus livros é se perder em frases e cenas que jogam um pouco de beleza na aridez e angústia do cotidiano. É por isso que seus livros são tão aguardados por milhares de leitores, ano a ano, durante a rentrée littéraire, período de lançamentos literários franceses, em outubro: é o suspiro previsível de poesia antes que o inverno europeu comece, de verdade, com sua dureza.

Com seus homens e mulheres envolvidos em uma procura constante, tentando resgatar algo que dê sentido aos dias, Modiano é um dos autores que melhor reflete as questões essenciais da existência. É o mesmo livro escrito, durante toda a vida, sobre a busca individual e comum a todos, da construção de algum sentido para a caminhada que vai do nascimento à morte e que, ao contrário da literatura, não admite pausas ou retornos.

Pena que os seis títulos adultos lançados pela Rocco entre os anos 1980 e 2003 estão fora de catálogo. É esperar que a própria editora, se não outra, se lance na aventura de buscar e resgatar Modiano para os leitores brasileiros.

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