A poucas semanas do aniversário de oito anos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), vítimas da tragédia se uniram para mais uma investida em busca de justiça. Com a participação de famílias impactadas pelo desastre – incluindo indígenas, quilombolas e ribeirinhos –, associações e formadores de opinião, foi lançada esta semana a campanha “Revida Mariana”, que busca chamar a atenção da sociedade para os prejuízos ainda enfrentados pelos moradores da região, que até hoje não foram compensados.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é o grupo por trás da campanha. Segundo o integrante da coordenação nacional da entidade, Thiago Alves, a iniciativa visa dar visibilidade a luta das milhares de vítimas que continuam sofrendo a devastação deixada pelas mineradoras responsáveis pelo desastre. “Queremos dialogar com a sociedade brasileira e internacional de forma mais ampla, para trazer apoio e rapidez na resolução dos problemas no contexto da repactuação”, afirma.
A campanha trará peças e vídeos com depoimentos de atingidos, expondo a dura realidade ainda enfrentada nas áreas afetadas pelo rompimento da barragem. As histórias mostram pessoas que perderam suas moradias e fontes de renda, outras que vivem sem abastecimento de água potável, sem contar aqueles que perderam parentes varridos pela lama, ou que escaparam da própria morte. “Queremos denunciar nossa situação oito anos depois do crime, ainda há muitas situações de violação de direitos humanos não resolvidas”, ressalta Alves.
Veja abaixo um dos vídeos da campanha, cedido com exclusividade para a coluna.
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Oito anos sem justiça
As negociações de reparação para as vítimas de Mariana continuam andando a passos lentos. Atualmente, a repactuação está sendo coordenada pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6).
Enquanto isso, mais de 700 mil atingidos processam a empresa anglo-australiana BHP na Inglaterra em busca de compensação. A BHP e a Vale são controladoras da Samarco, subsidiária que gerenciava a barragem do Fundão na época do desastre.
O caso já é a maior ação coletiva do mundo, avaliada em US$ 44 bilhões – cerca de R$ 230 bilhões (somados os juros acumulados em mais de sete anos). Em agosto, a Vale também se tornou ré no processo. A previsão é que o caso seja julgado em 2024.
A seguir, o integrante da coordenação nacional do MAB, Thiago Alves, comenta o lançamento da campanha “Revida Mariana” e a luta dos atingidos em busca de justiça, no Brasil e na Inglaterra.
Qual resposta à campanha o MAB espera das empresas responsáveis pelo desastre e das autoridades envolvidas na repactuação?
Das empresas, não temos expectativa muito alta. Nos últimos anos, elas têm tido uma postura autoritária em relação aos atingidos. Seria ótimo que as empresas se sentassem com os atingidos – tanto no contexto da repactuação no Brasil, como da ação de Londres – para resolver da melhor forma possível. Isso é o que aguardamos de todas as instâncias envolvidas: que seja organizado um processo no qual as vítimas possam participar das negociações, considerando direitos individuais e coletivos.
Como o MAB avalia o andamento das negociações para fechar o acordo de reparação no Brasil?
Muito lento e confuso. O governo federal tem pautado as negociações do Rio Doce e tem se mobilizado para contemplar a participação das vítimas, mas ela ainda não se concretizou. O governo de Romeu Zema, por outro lado, quer distribuir o dinheiro da indenização no estado – da mesma forma que em Brumadinho –, por meio de uma autorização de ‘fundo perdido’, e não concordamos com isso. Nós, atingidos, temos pressa, mas não adianta fazer acordo sem participação, ou vamos cometer erros que já foram cometidos.
Enquanto as vítimas ainda aguardam por justiça no Brasil, o processo movido pelos atingidos contra a BHP na Inglaterra deve ser julgado ano que vem. Qual é a expectativa do MAB a respeito?
A ação inglesa está cumprindo um papel político muito importante no Brasil, porque exerce uma pressão real nas instituições para finalmente compensar as vítimas. A nossa expectativa é que contribua para qualificar a repactuação do Rio Doce e avançar na construção de um acordo global – que contemple tanto os direitos individuais, que são o foco da ação inglesa, como os coletivos, como está na repactuação. Além disso, o processo movimenta um debate jurídico importante sobre a responsabilização de corporações multinacionais que venham a cometer crimes ambientais no país. O Brasil e a Inglaterra podem dar um exemplo internacional e chegar a um entendimento global sobre como lidar com casos como esses, dando mais segurança para a população.
(Atualização: Após a publicação da reportagem, a BHP afirmou que “refuta integralmente os pedidos formulados na ação ajuizada no Reino Unido e continuará com sua defesa no processo, que é desnecessário por duplicar questões já cobertas pelo trabalho contínuo da Fundação Renova, sob a supervisão dos tribunais brasileiros, e objeto de processos judiciais em curso no Brasil. A BHP Brasil continua trabalhando em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo de reparação em andamento no Brasil. A Fundação Renova promoveu avanços significativos no pagamento de indenizações individuais, tendo realizado pagamentos a mais de 427 mil pessoas, incluindo comunidades tradicionais como quilombolas e povos indígenas. A Renova já desembolsou mais de R$ 30 bilhões em ações de reparação, sendo aproximadamente 50% desse valor foi pago diretamente às pessoas atingidas por meio de indenizações individuais. No total, mais de 200 mil autores no processo da Inglaterra já receberam pagamentos no Brasil”
Já a Fundação Renova, citada nominalmente no vídeo da campanha, “a reparação está em um momento de entregas consistentes. Famílias estão se mudando para o distrito de Bento Rodrigues; em Paracatu, as primeiras chaves foram entregues. Durante todo o processo, as famílias elegíveis vivem em moradias temporárias escolhidas por elas e custeadas pela Fundação Renova. Até julho de 2023, mais de 429,8 mil pessoas receberam R$ 14,98 bilhões em indenizações e Auxílio Financeiros Emergenciais. Ações integradas de restauração florestal, recuperação de nascentes e saneamento estão acontecendo ao longo da bacia do rio Doce e visam à melhoria da qualidade da água, que demonstra parâmetros similares aos de antes do rompimento. No total, até julho de 2023 foram destinados R$ 31,61 bilhões às ações de reparação e compensação do rompimento”)