Supremacia branca no sistema de Justiça
Ou... a quem cabe romper com o pacto da branquitude?
Em pronunciamento feito no último dia 16 de setembro, por ocasião da formatura de diplomatas do Instituto Rio Branco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse orgulhoso por saber que aquela era a turma com mais mulheres e mais pessoas negras. “Assim, a gente vai colocando o Brasil em todas as suas representações e instituições”, disse. O mandatário petista relatou, ainda, que esteve presente à posse de um ministro – cujo nome não revelou – num tribunal onde observou uma “supremacia branca que não tem nada a ver com a realidade brasileira”.
Apesar de não ter mencionado o nome do jurista empossado, a última posse de um magistrado do sistema de justiça da qual Lula participou foi a de Herman Benjamin como presidente do Superior Tribunal de Justiça, ocorrida no último dia 22 de agosto.
Embora a fala de Lula seja surpreendente – já que ignorou o clamor dos movimentos negros por uma jurista negra (que seria a primeira da história) no Supremo Tribunal Federal, nas duas oportunidades de indicação no seu atual governo – o presidente tem razão. As composições do STJ e do STF, é preciso ressaltar, são retratos históricos e ainda engessados da supremacia branca e masculina que se estende por todo o sistema de justiça brasileiro.
Como mostrado em um artigo publicado nesta coluna, em 20 de junho de 2024, ao longo dos seus 35 anos de existência, dos 103 ministros e ministras que passaram pelo STJ, apenas nove foram mulheres (brancas) e duas pessoas negras (homens). Assim como no STF, nunca houve uma mulher negra. O dado se torna ainda mais alarmante quando se verifica que mulheres negras compõem o maior segmento social do país (28% da população brasileira), mas não representam sequer 6% dos órgãos jurídicos do Brasil.
Essa realidade também parece alarmar o ministro Herman Benjamin que – no mesmo dia em que Lula constatou a tal supremacia branca – se disse preocupado “com o número reduzido de mulheres, pessoas negras e de outras minorias na cúpula do judiciário – inclusive no STJ”.
A intelectual Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, cunhou a expressão “pacto narcísico da branquitude” para se referir a um conveniente silêncio acerca do racismo por parte das pessoas brancas, suas incontestes beneficiárias. Assim, mantém-se o status quo de privilégios, sobretudo de homens brancos, fundado no que se convencionou chamar de racismo patriarcal.
Se tanto o presidente da República quanto o presidente do STJ demonstram preocupação com a falta de diversidade no sistema de justiça, em especial nas cortes superiores, a quem cabe romper com o pacto da branquitude e pôr fim à “supremacia branca”?
A escolha de Ministros do STJ é feita pelo presidente da República, após formação de lista tríplice por voto secreto dos membros do próprio tribunal. Então, é preciso que haja compromisso efetivo com a diversidade étnico-racial no sistema de justiça, que aliás é dever constitucional do Estado brasileiro por força do artigo 9º da Convenção Interamericana contra o Racismo, aprovada com status de emenda à Constituição. Nesse caso, portanto, a responsabilidade é tanto de cada um dos magistrados do STJ quanto, posteriormente, do presidente da República.
Mais do que discursos antirracistas, precisamos de medidas antirracistas. Herman Benjamin e Lula podem entrar para a história por impulsionarem a necessária, ou melhor obrigatória, inclusão de pessoas negras nas cortes superiores, simplesmente cumprindo o que manda a Constituição. O primeiro passo é o do presidente do STJ ao liderar a formação da lista tríplice (a próxima será entregue em outubro e a coluna está mais que atenta ao tema).
Se o magistrado está de fato preocupado com essa vergonhosa tradição antidemocrática, eis uma oportunidade de mudá-la – deixando para sempre um legado relacionado ao seu mandato à frente do Superior Tribunal de Justiça.