O presidente Jair Bolsonaro entra agora na fase mais turbulenta do seu governo. A saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça foi extremamente contundente: o ex-juiz saiu fazendo acusações graves, como a de que Bolsonaro quer interferir politicamente na Polícia Federal para obter relatórios e informações sobre dossiês. Ou seja, ele queria usar a máquina para investigar em seu favor. Isso, ressaltou Moro, o PT não fez.
O discurso de Moro cria uma fratura no movimento neoconservador brasileiro, que o político aglutinou ao seu redor a partir de 2018. Bolsonaro foi eleito em parte por essa bandeira do combate ao crime e à corrupção. Moro chancelou isso de forma até inesperada ao ir para o governo. Ao sair, ele detonou a ponte com parte do eleitorado bolsonarista.
“O presidente me disse mais de uma vez expressamente que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor, superintendente, e acho que não é papel da PF dar esse tipo de informação”, afirmou Moro na sua saída, claramente tentando preservar o “legado de sua biografia”.
Ao sair dessa maneira, Moro toma de volta a bandeira da luta contra corrupção, que Bolsonaro usou nas eleições. E isso acontece quando o presidente se reaproximou de figuras do centrão como Valdemar da Costa Neto e Roberto Jefferson.
O cientista político Lúcio Renno, doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh, nos EUA, acredita que este é um momento de inflexão. “Com o tom do seu posicionamento de saída e o que falará na sequência, Moro levará a um ponto de inflexão no governo Bolsonaro no que tange seu apelo popular. Ainda mais se ficar claro [para a população] que Bolsonaro o está trocando pelo centrão, com o apoio de políticos que antes foram centrais em escândalos de corrupção”, afirma o cientista político.
Moro foi transparente ao falar dos motivos de sua saída, mostrou sinceridade ao público, muitos deles apoiadores do atual governo, e à opinião pública, o que facilita (e muito!) o entendimento da mensagem pela sociedade brasileira. O ex-ministro foi firme, sem deixar margem para dúvidas, ao dizer que não teria condições de preservar a autonomia da PF na continuidade dos inquéritos ou mesmo concordar com interferência política.
Em Brasília, o comentário de um analista foi que Sérgio Moro fez a pior entrada em um governo e a melhor saída. Ele se submeteu a um projeto político que tinha pouca relação com a reputação que havia trabalhado para ter, como juiz federal, mas ao sair, defendeu as instituições fazendo revelações importantes para o país.
Recupera parte do legado do ex-juiz como combatente número um da corrupção no Brasil. Moro passa a ser uma terceira via dentro do campo conservador, muito associado ao braço relativo ao combate ao crime.
“O discurso de Moro foi forte, reverte um pouco daquela imagem chamuscada que estava atrelada a ele ao aceitar a entrada no governo e na revelação da Vaza-Jato. Abre-se mais uma avenida possível de reorganização do eleitorado conservador no Brasil. O que podemos ter, na verdade, é uma pulverização da oferta de candidatos ‘presidenciáveis’ na direita”, explica Lúcio Renno.
A verdade é que Bolsonaro fez três movimentos em poucos dias – mais que temerários – que podem custar seu mandato. No meio de uma pandemia demitiu o ministro da Saúde, que tinha apoio popular. Depois derrubou o ministro da Justiça ícone e uma das bases de sustentação política de seu governo. Também tentou enfraquecer seu ministro da Economia, no meio de uma crise econômica.
É como se Bolsonaro quisesse implodir, de uma só vez, todos os pilares de sua gestão: a bandeira do combate à corrupção que tomou pra ele, a de um primeiro escalão técnico, e não político contra o toma-lá-dá-cá, e de uma economia austera e responsável no âmbito fiscal. Nem mesmo os aliados do presidente ouvidos pela coluna entendem o plano.
A pergunta que se faz no atual momento em Brasília é: será que a entrevista do agora ex-ministro da Justiça, nesta sexta-feira (24), terá no governo Bolsonaro impacto semelhante ao da gravação da conversa com o Bessias – tornada pública pelo próprio Moro – no governo Dilma Rousseff? Aquele foi um momento de inflexão que levou ao fim de um governo. É o que pode acontecer agora com Jair Bolsonaro.