Está em debate a instalação de um terminal para movimentação e armazenagem de granéis sólidos e sulfatos na região de Outeirinhos, Santos, no maior porto do país e da América Latina. A implantação desse equipamento está prevista no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, tendo em seu escopo o contrato de arrendamento para a exploração do terminal por 25 anos.
Antes que uma intervenção dessa magnitude seja concretizada, é preciso avaliar todos os seus perigos e os danos que ela possa vir a causar – o que, nesse caso, representa estragos consideráveis à preservação do meio ambiente e à própria vida da população.
A promessa de empregos e investimentos, como parte de uma estratégia do governo federal de transferir ativos para a iniciativa privada, não pode se sobrepor à sobrevivência humana. É urgente que o assunto seja amplamente discutido, sem postergações, com toda a transparência possível.
Denominado no PPI como terminal STS53, o projeto está previsto para ocupar uma área no bairro de Outeirinhos, na margem direita do porto. Sua construção está contemplada no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos (PDZ).
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) prorrogou para o dia 16 de dezembro a data limite para receber contribuições, subsídios e sugestões para o aprimoramento dos documentos técnicos e jurídicos, necessários à implantação do terminal.
A solução de se criar nessa área um grande terminal para fertilizantes recebeu recentemente a contestação da Frenlogi (Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura). Ciente de que os navios teriam que dividir os berços de atracação da região com embarcações de passageiros, a organização chamou a solução de “intempestiva”, uma vez que levaria pelo menos uma década para ficar pronta, sendo necessária uma solução urgente.
A frente parlamentar defende a revisão do projeto do STS53 e também o do STS10, terminal de contêineres que o ministério quer licitar no cais do Saboó, em uma região conhecida como Faixa de Gaza. A sugestão é que essa área abrigue o terminal de fertilizantes, atendendo mais rapidamente à demanda por esse produto que vem dos estados da região Centro-Oeste.
Ainda segundo a Frenlogi, há capacidade ociosa nos terminais de contêineres do porto, não sendo prioridade, portanto, a nova licitação. Porém, o ministério está convencido de que essa capacidade pode se esgotar rapidamente com a ampliação do movimento, especialmente pelas novas operações ferroviárias previstas no porto com esse tipo de carga.
O que certamente se pode dizer a respeito do projeto do governo federal para a região de Outeirinhos é que juntar armazenamento de cargas perigosas com terminal de passageiros seria, no mínimo, uma insanidade.
O armazenamento de substâncias químicas requer inúmeros cuidados de ventilação, sinalização correta, disponibilidade de equipamentos de proteção individual e equipamentos de proteção coletiva, além de uma área administrativa separada da área técnica e armazenagem. As matérias-primas previstas para serem manipuladas no terminal STS 53 são altamente explosivas, podendo reagir violentamente entre si ou mesmo produzir gases tóxicos ou inflamáveis.
Quem não se lembra das imagens de agosto do ano passado, em Beirute, quando uma violenta explosão em um depósito de nitrato de amônio destruiu parte da capital libanesa e matou mais de 200 pessoas? É uma temeridade reproduzir aqui na Baixada Santista as exatas condições que antecederam aquela tragédia.
A ONG Aguaviva está entre as entidades que apresentaram agenda propositiva ao Ministério Público Estadual para alertar sobre a ameaça de cargas perigosas no porto de Santos e Guarujá. O objetivo é debater esse novo PDZ aprovado pelo Ministério da Infraestrutura, que prevê a clusterização (concentração) das mercadorias na região. Governos das três esferas, agências reguladoras e a autoridade portuária precisam atentar para as consequências desses projetos e atender às demandas da região e à vontade da população.
Num cenário mais amplo, na esteira dessa discussão está a importância da regulação das atividades por parte do Estado, entendendo a regulação como a capacidade do governo de responder às necessidades por meio de políticas públicas postas em prática.
Esse é exatamente o ponto onde o Brasil tem falhado, o que acarreta situações como essa da ampliação do porto de Santos: não existem hoje políticas públicas consistentes, advindas de um amplo debate popular. É fundamental, no caso, considerar toda a importância que o porto representa para a economia do país.
A falta dessa disposição de se traçar políticas amplas de desenvolvimento, ouvindo especialistas e o contraditório, é fruto da irresponsabilidade de um estado privatista, medíocre, com visão de curto prazo.
As consequências dessa ausência de Estado – e de estadistas – poderão ser irreparáveis para a região.
* José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela volta das Ferrovias) e Aguaviva (Associação Guarujá Viva); diretor eleito da Federação Nacional dos Engenheiros e dirigente da CNTU (Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados)