Antônio Cândido, pensador da literatura e da cultura brasileira, dizia que o Brasil tinha passado da oralidade direto para o audiovisual. Para ele, é como se tivéssemos pulado o hábito da leitura, mais relegado na cultura brasileira. No lugar deste pulo da oralidade para o audiovisual estava a televisão, claro. E se houve alguém que contribuiu para a consolidação da cultura da tela foi Silvio Santos, morto neste sábado, 17, e que por mais de 60 anos entreteu os domingos dos brasileiros na mágica telinha que fascinou gerações.
Não foi apenas a televisão que fez de Silvio Santos, ou melhor, de Senor Abravanel, um espelho do brasileiro. Empreendedor de sucesso, ele foi aquele com que a maioria dos brasileiros – a se ver muitos candidatos por aí – sonham em imprimir em suas biografias: vir de baixo, cavando aqui e ali um lugar ao sol e de preferência, claro, com muita sombra e água fresca. O camelô vendedor de canetas foi longe e se tornou magnata da comunicação e de outros tantos empreendimentos. A história de Silvio Santos é o desejo de muitos que almejam chegar no topo.
Para chegar ao ápice, o empresário todo poderoso não mediu esforços para conseguir seus intentos. Foi astuto e bem relacionado com o setor público a quem um dia se autointitulou “de office boy de luxo” do governo. De novo foi o típico empreendedor brasileiro. Se estivesse no poder Sarney ou Fernando Henrique Cardoso, tanto faz. E se estivesse Lula ou Dilma, tanto menos, porque negociou com todos. Preferiu, a se ver pelos últimos anos, por Bolsonaro, talvez porque pudesse interferir – mesmo dizendo ao longo de sua carreira que não o fazia – colocando no ministério das comunicações o próprio genro, o deputado Fábio Faria.
No fundo, nunca mediu esforços para adular de algum modo o poder. Esteve sempre muito próximo e sabia a quem agradar. A semana do presidente, programa semanal que Silvio Santos passou a apresentar logo que ganhou a concessão da TVS é exemplo disso. De Sarney a FHC, exaltava, semanalmente, em tom patriótico a agenda do presidente.
Sabia que a política era lugar importante e ensaiou candidatura à presidência – é só olhar na internet e encontrar o jingle “é o 26… é o 26”. Ensaiou candidatura à prefeitura de São Paulo também, mas de novo não conseguiu ir em frente. Se ainda teve tempo de ver Datena como candidato deve ter percebido que a política profissional é muito diferente de se comunicar bem e, de fato, é desejável que o seja. Silvio Santos soube que aquele lugar era diferente dos palcos e auditórios e que teria de dividir holofotes e interesses e esse não era seu forte. Deixou a política – ao menos a competição eleitoral – de lado.
Foi ousado também. Fez da comunicação um lugar de pluralidade. Levou aos seus programas pessoas de todos os tipos e jeitos em um tempo que jamais se falava de gênero e preferências sexuais. Viveu a tempo de ser cancelado, porque falava como aquele tio ou aquele pai que senta no almoço de domingo – tinha de ser domingo, não é – e solta piadas de todos os jeitos sem nem pensar se vai afetar alguém. Obviamente ele fez isso. Já não se importava muito com os cancelamentos, talvez nunca o tenha feito.
Por tudo isso, Silvio Santos era essa mescla do que é o brasileiro e de como esse brasileiro, esse mais idoso, os 70+ se comporta diante de mudanças estruturais, que envolvem hábitos, linguagens e jeitos de ver a vida em sociedade. Política e socialmente Silvio Santos foi alvo das mudanças, da mesma forma que foi protagonista delas, quando se olha para a história do audiovisual brasileiro. Astuto, empreendedor e bom de lábia, ele soube, como muitos brasileiros, fazer o seu lugar. Controverso e polêmico, sem dúvida. Um gênio da forma de se comunicar, com certeza.
* Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com a coluna.