Quando alguém pensa em combate à corrupção, pode surgir certa dificuldade para entender o tamanho do problema: de qual corrupção estamos falando? Há tanta fraude que acontece no mundo, tanta desonestidade, condutas imorais, antiéticas ou duvidosas quanto à legalidade; tantas zonas cinzentas em diversos níveis de complexidade e impacto. Afinal de contas, há apenas um único tipo de corrupção?
Primeiramente, vale debruçar sobre o conceito de corrupção. A palavra, que vem do latim corruptus, pode trazer significados variados, como o ato de quebrar em pedaços, bem como de apodrecido ou pútrido.
Segundo a ONU, o conceito de corrupção é amplo, incluindo as práticas de suborno e de propina, a fraude, a apropriação indébita ou qualquer outro desvio de recursos por parte de um funcionário público. Além disso, pode envolver casos de nepotismo, extorsão, tráfico de influência, utilização de informação privilegiada para fins pessoais e a compra e venda de sentenças judiciais, entre diversas outras práticas.
É importante dizer que corrupção não se confunde apenas com suborno, isto é, com a oferta, doação ou recebimento de vantagem indevida (de qualquer valor, não apenas dinheiro em espécie) a alguém como um incentivo ou recompensa a agir fora de uma determinada obrigação profissional ou moral. Latu sensu, o sentido de corrupção é mais abrangente, incluindo qualquer forma fraudulenta ou desvio ético para conseguir algo de maneira ilegal ou imoral.
Compreendidos seus significados – amplo e estrito – é possível quebrar a grande corrupção em modelos de pensamento, de modo mais didático, para compreender como esse fenômeno se manifesta na prática. Metodologicamente, é possível afirmar que existem três grandes tipos de corrupção: a sistêmica, a endêmica e a sindrômica.
A corrupção sistêmica é aquela entranhada no setor privado e nos poderes da República de maneira organizada, nas relações espúrias entre empresários e políticos a que infelizmente nos acostumamos a ver nos noticiários e que tanto nos entristecem como pagadores de impostos. Nesse caso, é possível combatê-la com o fortalecimento das instituições de controle, persecução penal e instituição de ferramentas de compliance público e privado, como podem ser visitadas, por exemplo, nas Novas Medidas contra a Corrupção – maior pacote anticorrupção do mundo – organizado pela Transparência Internacional e pela FGV.
Já a corrupção endêmica pode ser conceituada como aqueles pequenos desvios éticos do dia-a-dia, como furar a fila ou não devolver o troco a mais do pão. Esta pode ser superada por meio da educação ética, nas famílias e nas escolas, para a geração de uma massa crítica que seja mais resiliente frente aos dilemas éticos cotidianos.
Por fim, a corrupção sindrômica é aquela que toma lugar pelas relações promíscuas oriundas da burocracia estatal que, de tão complexa, aprendeu a criar dificuldades para vender facilidades, criando um ciclo vicioso que pilha o erário público. Esse ciclo só será quebrado mediante a reinvenção da burocracia pública, com medidas de simplificação capazes de otimizar os processos administrativos governamentais; e por meio de compliance – privado e público – onde ambos tenham regras de conduta bem definidas e controles internos capazes de identificar e mitigar os riscos de suborno.
Conhecer as dinâmicas de manifestação do fenômeno da corrupção é primordial para combatê-la mais assertivamente. É verdade que esse mal se multiplica no escuro da complacência e da omissão despretensiosa; assim, é preciso conhecer as verdadeiras facetas da corrupção e conversarmos aberta e francamente sobre elas, sejam nas nossas casas, escolas, governos ou empresas. A luz do sol da transparência ainda é o melhor desinfetante contra a corrupção.
*Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)