A Polícia Civil do Estado de São Paulo instaurou, em abril deste ano, um inquérito para investigar a suspeita de que o diretor-executivo da Cruz Vermelha São Paulo, Bruno Semino, teria se apossado de 5% de “toda e qualquer doação recebida” pela instituição.
O caso chama atenção porque a Cruz Vermelha promove, neste momento, uma ampla campanha de arrecadação para auxiliar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, com Semino aparecendo, com frequência, em entrevistas à imprensa e nas redes sociais para solicitar doações.
As autoridades também apuram suposto superfaturamento de contrato de fornecimento de oxigênio, falsificação de assinaturas em prontuários médicos, extravio de medicamentos e retiradas irregulares de valores do caixa, além de desvio de recursos públicos oriundos das secretarias de Saúde e de Direitos Humanos do município de São Paulo.
A notícia-crime foi apresentada por Júlio Cals de Alencar, presidente da Cruz Vermelha Brasileira, com base em denúncia à Comissão de Ética da organização – realizada por uma auditora forense que comandou o setor de compliance da filial paulista.
Em comunicações repassadas à Polícia Civil, a ex-funcionária relatou, ainda, a ocorrência de assédio moral e sexual e até mesmo o armazenamento de marmitas dos pacientes em câmaras frias de necrotério, destinadas ao acondicionamento de corpos humanos.
No despacho que ordenou a abertura do inquérito policial contra a cúpula da Cruz Vermelha São Paulo, o delegado Tiago Fernando Correia, da 3ª Delegacia de Polícia Civil de São Paulo, determinou o acionamento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para apurar possíveis movimentações financeiras atípicas de Bruno Semino e do presidente da Cruz Vermelha São Paulo, Jorge Wolney Atalla Júnior – outro alvo do inquérito.
“Expeça mensagem eletrônica à operosa Divisão de Investigações sobre Crimes contra a Administração e Fraudes Decorrentes das Atividades de Trânsito, Combate à Corrupção e Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores, bem como à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social informando quanto à instauração do IP-e”, escreveu o delegado.
Na denúncia à Comissão de Ética, posteriormente entregue à Polícia Civil, a ex-funcionária afirma que Bruno Semino foi contratado como diretor-executivo da Cruz Vermelha São Paulo, com remuneração mensal de 65.000 reais. Em outros estados, função semelhante é exercida por secretário-geral contratado por meio de CLT, com salário médio de 12.000 reais.
Procurada, a assessoria de imprensa da Cruz Vermelha São Paulo informou que “não é verdade a informação de que Bruno Semino ficaria com 5% de todas as doações recebidas pela entidade. A Cruz Vermelha São Paulo conta com fontes de custeio próprias — todos os seus custos operacionais são pagos por essas fontes. As doações seguem diretamente e exclusivamente para os beneficiários”.
Sobre o contrato de Bruno Semino, a assessoria alega que “cada entidade, de acordo com o previsto em seus estatutos e com seus orçamentos, tem a autonomia de decidir a forma de contratação, quais profissionais serão contratados, da maneira prevista em seus estatutos”.
O grupo que controla a filial paulista da Cruz Vermelha tem travado uma guerra com Júlio Cals de Alencar na presidência nacional da instituição. Os dirigentes paulistas foram à Justiça para afastá-lo do cargo sob a alegação de que não teria realizado uma reunião obrigatória em 2022. A defesa de Cals sustenta, no entanto, que o adiamento ocorreu por decisão da maioria dos integrantes da Cruz Vermelha, inclusive dos paulistas.
SHOPPING CENTER E DÍVIDA MILIONÁRIA
O inquérito da Polícia Civil também tem como alvo o presidente da Cruz Vermelha São Paulo, Jorge Wolney Atalla Júnior – investigado por efetuar retiradas irregulares de dinheiro e ter despesas pessoais pagas por doadores da entidade. Além disso, sua gestão teria resultado em prejuízos significativos para a instituição – que hoje enfrenta uma dívida que pode superar 28 milhões reais. Ele está no cargo desde 2009, quando sucedeu o pai, que havia ocupado o posto por 42 anos.
Na gestão de Jorge Wolney Atalla Júnior, a Cruz Vermelha São Paulo foi alvo de uma ação civil pública contra a construção – em um terreno doado à entidade, próximo ao aeroporto de Congonhas – de um shopping center pelo grupo Iguatemi. O negócio, porém, foi barrado pela Justiça.
Questionada sobre as retiradas irregulares de dinheiro dos caixas em benefício de Jorge Wolney Atalla Júnior, a assessoria de imprensa da Cruz Vermelha São Paulo respondeu: “A informação é inverídica e não sustenta. As contas da Cruz Vermelha São Paulo são auditadas por auditoria externa (BDO) para exatamente confirmar as boas práticas determinadas no Estatuto da Instituição”.
Sobre a existência de prints com conversas de Jorge Wolney Atalla Júnior solicitando o pagamento de despesas pessoais, a assessoria informou: “A informação é inverídica e não sustenta. Conforme dito, os Conselheiros nem presidentes, vice-presidentes são remunerados, não havendo qualquer repasse de dinheiro para os mesmos”.
Com relação à ação civil pública contra a construção do shopping center, a assessoria disse que “nunca existiu qualquer negociação para doação de terrenos a quaisquer pessoas, grupos ou empresas. O CRI e a matrícula afeta ao terreno em questão podem ser consultados para constatar que a Cruz Vermelha São Paulo não pode doar ou vender este terreno, sempre permanecendo de sua propriedade”.