Na penúltima segunda-feira, 24, a morte brutal do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, comoveu o Brasil. O jovem que trabalhava servindo mesas num quiosque na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, foi agredido a pauladas até a morte por quatro homens. As imagens das agressões registradas pelas câmeras de segurança, cedidas à polícia pelo proprietário do quiosque, chocaram o país.
A morte de Moïse é simbólica, pois revela o racismo que predomina no Brasil. Por aqui, insultar, humilhar, agredir e matar negros é coisa banal. Após 133 anos da abolição da escravatura, o racismo racial ainda comanda toda a lógica da sociedade brasileira e das classes sociais em luta. É ele quem deslinda as alianças, os conflitos e as oposições entre as classes. Em suma, o racismo racial comanda a sociedade brasileira em todas as suas instâncias.
Segundo o testemunho de familiares de Moïse, o jovem teria sido morto por cobrar dois dias de pagamentos atrasados de seu empregador. Isso foi o necessário para que o espancassem, o humilhassem, o amarrassem e o matassem – algo estarrecedor, porém muito típico em casos de violência racial. Visto que o racismo racial pode ser compreendido, segundo a definição do sociólogo Jessé Souza, como antes de tudo, “a negação do reconhecimento social em suas multiplas formas”, o caso Moïse é apenas um emblema do racismo estrutural que corre pelas nossas veias sociais.
No Brasil, o negro é vítima da violência mais covarde. É animalizado como “tração muscular” em serviços pesados e é estigmatizado como trabalhador manual desqualificado. Dele é exigido que se torne trabalhador orgulhoso de seu trabalho, porém quando reage ao não reconhecimento de seus direitos trabalhistas é visto como “inimigo da ordem” e sofre por isso. É justamente daí que vem o uso sistemático da violência pela polícia e pela própria sociedade civil, como forma de intimidação, repressão e humilhação ao negro no Brasil. Infelizmente, isso foi o que ocorreu com o jovem Moïse, que refugiou-se no Brasil fugindo da guerra em seu país. Mal sabia ele que por aqui o jovem negro é vítima de extermínio todos os dias.
Que haja justiça para Moïse e que a sua trágica morte seja mais um alerta de que não só a explicitação do racismo racial deve ser denunciada e repelida em nossa sociedade, como também as causas de sua estruturação.
* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP