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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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‘Nem interrompidas, nem reduzidas apenas a vítimas de violência’

Em entrevista à coluna, Anielle Franco fala ainda sobre avanços do ministério sob seu comando

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 out 2024, 10h20 - Publicado em 4 out 2024, 06h49

“Minha missão de vida, para além de defender o legado e a memória de Marielle, é trabalhar para que mais de nós não sejamos interrompidas nos espaços de poder”, disse a VEJA Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, professora com três mestrados, um deles em relações etnicorraciais. 

Anielle gostaria de ter focado toda a entrevista nas ações de seu ministério, como o decreto que articulou para garantir maior presença de pessoas negras na administração pública, em vez de falar sobre a violência de que foi vítima. 

Desde a queda de Silvio Almeida, ex-ministro dos Direitos Humanos, denunciado por importunação e assédio sexual por diferentes mulheres — de colegas de governo a estudantes de direito –,  Anielle Franco estava em silêncio sobre o caso. Na edição de VEJA desta semana, Anielle falou sobre o tema.

Em outra parte da entrevista à coluna, a ministra também trata dos avanços do seu ministério em uma sociedade racista e machista, o que ela tem enfrentado no dia a dia na pasta.

Abaixo, público os principais trechos dessa parta da entrevista da ministra:

Uma das suas primeiras medidas foi articular um decreto para garantir maior presença de pessoas negras na administração pública. Ampliar a representatividade negra no governo, na política, nas empresas parece uma meta muito determinada. É a sua principal agenda?

É uma delas. O Brasil é testemunha de que foi preciso um cidadão que passou fome chegar à presidência para que o país pudesse criar a melhor política de combate à fome, referência no mundo inteiro. Somos um país diverso, quanto mais pessoas com a cara da população e comprometidas com políticas para a população, mais justiça e igualdade vamos ter.

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Por isso precisamos de uma administração pública que conheça a realidade do que é ser uma pessoa negra nesse país, e tome as decisões do dia a dia levando isso em conta. Faz diferença. E não só no poder público. Nas empresas também. Pesquisas mostram que empresas mais diversas geram mais lucro. O mundo está caminhando nessa direção e não podemos ficar pra trás.

Sua história de vida mais pública começa cedo, como atleta. É uma trajetória de muita superação, com uma ligação forte com a política e em defesa dos direitos humanos, mas que as pessoas não conhecem tanto. Como sobreviver a violências diversas e ainda seguir?

Não é fácil, mas uma coisa que aprendi com a minha família é sempre correr atrás dos nossos sonhos e fazer o que é certo. E a gente só segue em frente porque tem muita gente com a gente. Na favela a gente aprende que só coletivamente a gente supera os maiores desafios. Eu levo a verdade, a honestidade, o trabalho coletivo e o desejo de mudança em qualquer lugar que eu esteja. Meus valores são inegociáveis, aprendi isso dentro de casa. Vi minha irmã lutar, trabalhar e chegar em um espaço de poder com uma agenda de transformação. Vi ela ser assassinada e muitas pessoas tentarem usar e sujar sua memória, e mesmo assim estamos aqui, de pé. Maya Angelou tem um poema que carrego para minha vida: “Pode me atirar palavras afiadas/ Dilacerar-me com seu olhar/ Você pode me matar em nome do ódio/ Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar. Ainda assim, eu me levanto”

Por que a sociedade insiste em resumir mulheres, principalmente mulheres negras? 

Mulheres negras são a base da sociedade brasileira, somos 28% da população, somos múltiplas e diversas e ocupamos muitos espaços. Lideranças de uma agenda universal de bem-viver. A tentativa de resumir ou diminuir mulheres negras é uma consequência direta do racismo e machismo que estruturam as relações sociais em nosso país. Enquanto essas estruturas hierárquicas de opressão determinarem as oportunidades e caminhos que podemos acessar ou não, ainda seremos reféns de narrativas construídas sobre nós, sem nós.

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A violência política é um mal que assola nosso país. Sua irmã foi, infelizmente, um caso concreto desse retrato. Estamos às vésperas das eleições e diversos casos aparecem todos os dias. Diante disso, como a senhora define a importância de termos cada vez mais mulheres como a senhora e tantas outras à frente de espaços de poder e decisão?

Eu acredito muito que as mulheres negras que ocupam espaço de decisão chegam majoritariamente carregando uma agenda de transformação e de mudanças com políticas para toda população. Minha missão de vida, para além de defender o legado e a memória de Marielle, é trabalhar para que mais de nós não sejamos interrompidas nos espaços de poder. É com a presença de mais mulheres e homens negros em cargos no legislativo, executivo e judiciário que podemos trabalhar coletivamente para reparar anos e anos de exploração e exclusão das pessoas negras em nossa sociedade. Até porque, estamos prontas.

A senhora tem três mestrados, é doutoranda em Linguística Aplicada e segue dando aulas sempre que consegue. Como a academia e a docência se conectam com o seu trabalho de ministra?

A docência é quem eu sou, é de onde vim e a profissão que escolhi ter lá atrás. Tenho muito orgulho de ser uma professora em constante formação. Costumo dizer que neste cargo de ministra aprendo todos os dias algo novo, conecto discussões, conceitos, prática e teoria. Formular e executar políticas públicas é algo extraordinário, apoiar diretamente comunidades inteiras é um constante aprendizado. Um dia eu espero poder escrever sobre tudo isso, meus cadernos de estudo e anotações sempre andam comigo.

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