“Negociação ilegítima”, diz representante de vítimas de Mariana
AGU e Espírito Santo rejeitaram a proposta das mineradoras Vale e BHP pelo colapso da barragem de Fundão
A Advocacia Geral da União (AGU) e o Estado do Espírito Santo comunicaram à Justiça Federal nesta semana que rejeitaram a proposta das mineradoras Vale e BHP pelo colapso da barragem de Fundão, ocorrido em Mariana (MG), em 2015.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também rechaçou a oferta e considerou o valor “irrisório” e insuficiente para compensar danos relativos à contaminação ambiental e violação dos direitos humanos deixados pela tragédia.
A oferta das mineradoras inclui R$ 37 bilhões em valores já pagos em remediação, 18 bilhões em “obrigações a fazer”. Isso significa, portanto, que R$ 72 bilhões do total representariam dinheiro novo, como explica o representante do MAB, Joceli Andrioli. O montante não seria desembolsado de uma vez, mas dividido ao longo de 20 anos.
“A proposta da Vale não passava de uma estratégia de comunicação para tentar valorizar suas ações e dizer que está negociando com as instituições de Justiça e com o governo brasileiro”, enfatiza Andrioli. De acordo com o MAB, seriam necessários pelo menos R$ 500 bilhões para solucionar os problemas causados pelo rompimento da barragem, e que persistem até hoje.
Uma das principais críticas do MAB ao acordo é que, até hoje, as vítimas não foram devidamente incluídas nas discussões com as empresas e autoridades brasileiras. “Consideramos que toda negociação que está sendo feita sem a presença dos atingidos é ilegítima e ilegal”, reforça Andrioli.
A falta de participação das vítimas pode ser considerada mais grave porque a proposta das mineradoras busca finalizar todos os litígios e responsabilidades legais associados ao desastre no Brasil.
Além das negociações do acordo brasileiro, Vale e BHP enfrentam processo pelo desastre de Mariana na Inglaterra, com julgamento marcado para outubro de 2024.
A coluna conversou com Joceli Andrioli, representante da Coordenação Nacional do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). Leia os principais trechos a seguir.
Qual a visão geral do MAB em relação à última proposta feita pela Vale?
Joceli Andrioli – Na visão do MAB, a proposta da Vale não passa de uma estratégia de comunicação para tentar valorizar suas ações e dizer que está negociando com as instituições de Justiça e com o governo brasileiro. É uma proposta extremamente rebaixada, pois acreditamos que seriam necessários, no mínimo, R$ 500 bilhões para resolver todos os problemas, incluindo contaminação ambiental, violação dos direitos, falta de renda, falta de trabalho e todos os problemas da saúde que as comunidades adquiriram em decorrência da lama tóxica.
É uma vergonha que a empresa use, inclusive, o sofrimento, a dor e a destruição para ganhar dinheiro no mercado de ações. O MAB rechaça essa proposta e esperamos que as instituições de justiça e o governo não considerem esse valor irrisório e que fiquem firmes para, de fato, garantir o que é nosso de direito, que é a reparação integral dos danos ambientais, sociais, socioeconômicos e culturais.
Como você avalia o envolvimento das vítimas nas negociações do acordo?
Joceli Andrioli – Até agora, os atingidos não tiveram oportunidade de participação na repactuação do acordo de Mariana. Apesar de termos conquistado uma lei, sancionada em dezembro do ano passado, que deixa claro que qualquer proposta ou plano de reparação deve levar em conta o princípio da centralidade do sofrimento da vítima, além de garantir que os atingidos indiquem membros da sociedade civil para participar de um comitê a nível nacional para discutir esses programas, nada disso aconteceu. Portanto, consideramos que toda negociação que está sendo feita sem a presença dos atingidos é ilegítima e ilegal.
Qual é a sua opinião sobre outros pleitos das vítimas em busca de justiça, como a ação na Inglaterra?
Joceli Andrioli – Nós temos muita esperança na ação internacional que ocorre em Londres e que já está, inclusive, em fase bem avançada, com julgamento marcado para outubro deste ano. Temos confiança de que a ação inglesa vai avançar e responsabilizar as empresas, fazendo com que paguem pelo crime que cometeram aqui no Brasil.
Enquanto isso, também vamos continuar cobrando que a Justiça brasileira aja. Estamos tendo alguns sinais de que a Justiça começa a perceber que uma coisa está relacionada à outra. A ação inglesa também pressiona a Justiça brasileira a ter que dar respostas. Já há a condenação de quase R$ 100 bilhões no Brasil por dano moral coletivo e esperamos que haja novas ações judiciais.
É importante dizer que não podemos ficar reféns de um acordo. A justiça precisa ser feita porque foi cometido um crime. A Vale, a BHP e a Samarco não estão devendo favores a população e não estão fazendo “investimentos”, como elas gostam de falar. As autoridades brasileiras, as instituições de justiça, especialmente o TRF6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região), têm que ser mais duras com as empresas e fazer valer a lei.