Missionário é exonerado da coordenação de índios isolados da Funai
Gestão durou nove meses e foi marcada por polêmicas e insatisfação de servidores da Fundação e de indígenas
Depois de nove meses de uma trajetória polêmica, marcada por disputas judiciais e insatisfação de indigenistas, o antropólogo e missionário Ricardo Lopes Dias deixa a chefia da Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai). A exoneração de Ricardo Lopes Dias foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira, 27.
O missionário foi nomeado para o cargo em fevereiro deste ano e, desde o início, a relação que ele manteve por anos com organizações missionárias, dentre elas, a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que tem por objetivo a evangelização de indígenas, gerou desconforto entre servidores e técnicos da Funai e organizações ligadas aos povos originários, como a Univaja do Vale do Javari.
O temor de servidores do órgão era a quebra da política de zero contato com índios isolados que vem sendo adotada pela Funai nos últimos anos e a presença de missionários nessas regiões, modificando a cultura dos indígenas.
Em maio, três meses após a entrada de Ricardo no cargo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) anulou a nomeação atendendo a um recurso feito pelo Ministério Público Federal (MPF).
Na época, o TRF-1 invalidou uma brecha aberta pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, que permitiu que o cargo de coordenador-geral de índios isolados, área mais técnica do órgão, pudesse ser ocupado por pessoas de fora do quadro da administração pública. A partir dessa brecha, Ricardo Lopes Dias pôde ser nomeado. Como a coluna mostrou, mesmo após a suspensão da nomeação, Ricardo Lopes Dias continuou trabalhando na Funai.
Em junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a decisão do TRF-1 alegando que Ricardo Lopes Dias apresentava os requisitos legais para estar à frente da área de índios isolados na Funai. Após o entendimento do então presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, ele pôde permanecer no cargo.
A presença de Ricardo Lopes Dias na Funai durante os últimos meses, mesmo diante de protestos de servidores do órgão, revelam como o governo Bolsonaro trata a questão dos índios isolados com descaso. Como exemplo, podemos citar a recente missão coordenada pelo missionário, que quase quebra a quarentena das próprias bases de índios isolados no Vale do Javari e a atuação desastrosa na pandemia para proteger da Covid-19 os grupos indígenas isolados e de recente contato do Brasil.
A saída do missionário não anula os últimos acontecimentos e a tentativa de desmonte do órgão por parte do atual gestão da Fundação. Em meio à maior pandemia dos últimos tempos, os povos indígenas continuam sendo atingidos pelo coronavírus e não há sinais de que essa gestão vai dar mais atenção ao assunto, mesmo com uma ação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Abip), que trata do tema no Supremo Tribunal Federal.
Com a saída de Ricardo Lopes, fica a expectativa de que Marcelo Fernando Batista Torres, servidor da Funai nomeado para o seu lugar, mantenha uma atuação técnica na Coordenação de Índios Isolados, com autonomia para recompor a equipe insatisfeita pela atual direção da Funai e que esteja alinhado com as leis que protegem os povos isolados e de recente contato no país. Só assim, o Brasil, que já foi exemplo para o mundo na condução de políticas públicas para proteção desses povos, poderá reafirmar que realmente se importa com esses habitantes primeiros dessa terra.