O salto democrático que o Brasil precisa dar é incluir mulheres e negros nas políticas públicas e ações realizadas no país. As palavras são de Carol Dartora (PT), a primeira vereadora negra eleita na cidade de Curitiba nas eleições municipais deste ano.
“Quero poder promover esses debates em outros níveis, acredito que o Brasil precisa disso. O salto democrático que o Brasil precisa dar é incluir mulheres e negros para que a gente possa dizer que realmente tem uma democracia aqui”, afirma.
A história de Carol mostra seu empenho no assunto e o trabalho que realiza há anos por igualdade em Curitiba. Professora da rede pública estadual, feminista e doutoranda em Educação, a vereadora foi a terceira mais votada da cidade e conta que teve que lidar desde cedo com o racismo.
O pai, servidor público aposentado, e a mãe, professora de magistério, sempre foram ativistas da causa e o racismo sempre foi assunto em casa. Tanto Carol como os dois irmãos mais novos sofreram durante a vida com xingamentos na escola e preconceito por causa da cor.
A vereadora eleita conta que apoiou o movimento negro, mas a sua participação no movimento feminista fez com que seu olhar fosse ainda mais voltado para a questão do racismo contra mulheres negras.
“Fui unindo essas bandeiras. A luta das mulheres, o movimento negro, daí a compreensão da luta das mulheres me levou para o entendimento das feministas negras. A grande chave para mim foi a questão da mulher”, conta a professora.
Nesta semana, mais um episódio de racismo: Carol recebeu um e-mail com ameaça de morte. A mensagem, com o título “Vou te matar – Carol Dartora”, trazia a ameaça do remetente dizendo que compraria uma arma e iria até Curitiba para matar a vereadora.
“Enquanto você ganha um salário de vereadora apenas por ser uma macaca, eu estou desempregado, minha esposa está com câncer de mama e estamos vivendo de auxílio emergencial”, escreve o autor do e-mail.
A mensagem motivou Carol Dartora a ir até a delegacia e registrar um boletim de ocorrência. Ela conta que esses e-mails têm sido enviados a outros políticos eleitos que defendem bandeiras como causas de gênero e contra o racismo.
“Parece que é um grupo que promove esses ataques orquestrados, não começaram agora. Estão tentando descobrir quem está por trás porque é um provedor estrangeiro e não armazena um banco de dados”, explica.
Como a coluna mostrou, Suéllen Rosim (Patriota), prefeita eleita de Bauru (SP), recebeu e-mail com conteúdo muito semelhante, com ameaças e ofensas por causa de sua cor.
“Eu já vinha sofrendo ataques, mas estávamos esperando o momento de ir na delegacia porque ainda não tinha sofrido nada contundente. Vamos tirando print, vendo aquele racismo mais leve, mais sutil… esse racismo mais sutil é todo dia nas minhas redes sociais”, conta Carol Dartora, que diz receber diariamente frases questionando sua capacidade por causa da cor da pele.
Para a vereadora, o racismo é uma ferida abertura que não foi curada no Brasil. “Apesar de estarmos em 2020, o Brasil tem essa ferida aberta que é o racismo e que nunca tratou direito. Eu atribuo esses ataques a isso, a esse ódio velado, ao ódio racial que é velado no Brasil. O brasileiro não gosta de ser preconceituoso”, afirma.
Durante seu mandato, ela conta que vai incluir essa pauta em seus projetos e quer honrar os votos dos moradores de Curitiba que se sentiram representados por também sofrerem discriminação na cidade.
“A gente pensa em todas as questões de vida urbana, direito à cidade, mobilidade, mas, claro, a partir dessa questão de raça também. Eu acredito que a raça estrutura, nossas cidades são estruturadas na questão de raça. Eu fiz esse debate, fiz o debate do direito à cidade a partir do viés de raça, a partir do viés de gênero, que eu considero questões universais para qualquer política pública que a gente possa pensar. Claro que não vou falar só disso, mas essas temáticas tanto de gênero quanto de raça serão transversais nos meus debates, nos meus projetos e nas coisas que eu proponho para a cidade”, explica a vereadora eleita.
A existência do racismo fez Carol Dartora rebater declarações de Rafael Greca, prefeito de Curitiba, que afirmou em entrevista à Globonews que não existe racismo estrutural em Curitiba. A vereadora diz não saber se é falta de informação ou má intenção por parte do prefeito, mas reforça que há racismo e enfatiza que Curitiba é uma cidade segregadora.
“Dizer que racismo estrutural não existe, especialmente em Curitiba, cidade extremamente segregada, uma cidade culturalmente segregada, uma das cidades mais desiguais do Brasil… um administrador público, o prefeito alegar que o racismo estrutural não existe, eu nem sei dizer se é falta de informação ou se é má intenção”, afirma.
Reforçando o posicionamento que a ajudou nas eleições, a vereadora deixa um recado ao prefeito sobre sua atuação a partir do próximo ano: “ele vai ter que começar a considerar que o racismo existe sim em Curitiba e ele vai ter que olhar para isso porque eu vou falar muito disso”.