O Brasil tem 424 milhões de dispositivos digitais ativos, o que inclui computadores, notebooks, smartphones e tablets, conforme dados divulgados em junho na 31ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação da FGV. O país continua com mais de um smartphone por habitante: são 234 milhões de celulares inteligentes em uso. Este maquinário todo tem um objetivo básico: a interação social. Conforme dados da pesquisa TIC Domicílios do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a principal atividade dos brasileiros na internet é a comunicação através de aplicativos e redes sociais como WhatsApp, Skype, Facebook, Tik Tok e Instagram. Desse modo, as redes sociais ocupam cada vez mais espaço na vida brasileira. Uma questão incontornável se apresenta: quais são as novas possibilidades de participação política que se consolidaram com as redes sociais?
Podemos citar, pelo menos, duas delas: o anonimato e a planificação. A possibilidade do anonimato desresponsabiliza a conduta política do indivíduo. As redes sociais são infestadas de perfis falsos, criados em muitos casos com a finalidade de perseguir (stalking) ou simplesmente insultar e perturbar pessoas, abrindo espaço para a violência discursiva. Mas, por outro lado, é uma possibilidade de criticar governos – tema recorrente na teoria política moderna. Na França revolucionária, por exemplo, os jacobinos proibiram o Carnaval, com medo de que a festa se transformasse em uma contrarrevolução, e chegaram ao extremo de punir com pena de morte quem tivesse a audácia de se fantasiar. O anonimato do cidadão assusta os detentores do poder. Desse modo, ao ocultar identidades, as redes sociais abriram espaço ao questionamento das autoridades.
Já a planificação possibilita o nivelamento da fala, já que as redes sociais colocam todos usuários no mesmo plano: não há intermediação. A fala de alguém que estudou determinado assunto a vida inteira está lado a lado da fala de alguém completamente alheio a este mesmo assunto. Ou seja, o entrelaçamento dos conteúdos é anárquico, sem um centro de gravidade definido. Há também a mistura de gêneros: os discursos científicos, artísticos, políticos, religiosos etc., estão todos misturados. Nesta babel digital, o próprio usuário-leitor é o único a determinar a qualidade dos discursos. O que os usurários muitas vezes não percebem é que estão sendo manipulados por quem está nos bastidores da arena digital. Como nas redes sociais existe um só parâmetro de avaliação: os likes, ou seja, a interação com o conteúdo, há uma grande articulação no sentido de manter o usuário conectado.
No ensaio Os engenheiros do caos, Giuliano Da Empoli afirma que, do ponto de vista político, o “jogo não consiste mais em unir as pessoas em torno de um denominador comum, mas, ao contrário, em inflamar as paixões do maior número possível de grupelhos”. O cultivo da cólera de cada um não se preocupa com a coerência do coletivo. A nova propaganda se alimenta de emoções negativas, pois são essas que garantem o maior “engajamento”. Do ponto de vista econômico, Evgeny Morozov afirma em Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política que as redes sociais abriram a possibilidade da monetização das manifestações políticas. Assim, anúncios e conteúdos virtuais “e a ânsia destrutiva de clicar e compartilhar que os acompanha”, precisam passar por melhor escrutínio pelos cidadãos articulados em redes sociais. Estamos de fato em uma era de instabilidade, mas isso não significa que nossa atividade digital deva ser irresponsável.