Governo recua e proíbe que importação de lixo seja ampliada
Decreto que abria as fronteiras para resíduos sólidos foi revogado depois que catadoras e catadores de recicláveis reagiram

A edição apressada de um decreto indispôs o governo com um de seus mais simbólicos apoiadores – o grupo de catadoras e catadores de recicláveis, trabalhadores indispensáveis na economia circular.
O texto, publicado em 17 de abril, abria as fronteiras para a importação de lixo e reutilização pela indústria, criando 20 exceções à recente lei 15.088/2025 que, originalmente, proibia a entrada de resíduos sólidos e rejeitos como papel e derivados, plástico, vidro e metal. Em um _mea culpa_ embaraçoso, o governo revogou o decreto nesta quarta-feira, 7.
Coube ao ministro Márcio Macêdo, da Secretaria Geral da Presidência da República, costurar uma saída rápida para diluir o constrangimento e o impacto de uma medida tão antipática. Nos bastidores, outros integrantes do governo admitiram ter “esquecido” de ouvir os catadores de recicláveis antes de publicar um decreto pautado apenas nos argumentos da indústria, que pressionou pela elaboração de uma lista de exceções de resíduos que pudessem ser importados, a despeito de qualquer levantamento técnico sobre a demanda.
As indústrias alegam que não há quantidades de resíduos suficientes para o reprocessamento no país e que o “alto custo” daqueles produzidos aqui favoreceria a importação. Em poucas horas, empresas recicladoras de PET avisaram as cooperativas que o preço do quilo seria reduzido de R$ 4,00, em média, para R$ 0,70.
Bastou para que a medida do governo chegasse aos galpões carimbada como “o decreto da fome”, referência ao impacto no orçamento doméstico de milhares de famílias que sobrevivem da reciclagem. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima que mais de 800 mil catadores constituem a base da cadeia produtiva da reciclagem no Brasil, e são responsáveis por 90% de todo o material reciclável no país.
A argumentação das indústrias peca ao desconsiderar que, na verdade, muitos países subsidiam a exportação de resíduos exatamente para ficar livre do problema. Uma política conhecida como “Not In My Backyard” – não no meu quintal. Isso diz muito de quem não investe em políticas públicas de resíduos sólidos, o que não deveria ser o caso do Brasil que estruturou uma gestão moderna nesse setor há 15 anos, com a Lei 12.305.
O impasse acionou o radar do Palácio do Planalto que não calculou os danos da repercussão. Na tentativa de reversão, além de revogar o texto anterior, o novo decreto publicado do Diário Oficial desta quarta, 7, ainda determina que a indústria que utilize resíduos como insumos dê preferência aos materiais existentes no mercado interno que beneficiem cooperativas, associações e organizações populares de catadoras e catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.
O novo texto lembrou de inserir o Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Reciclados como fonte obrigatória de consulta sobre a fixação de limites quantitativos para a importação, que não foi descartada. As exceções serão elencadas depois de uma verificação de demanda de utilização e disponibilidade no mercado nacional. O governo respondeu com alguma agilidade, mas agora administra a desconfiança das cooperativas de recicláveis.
Não se trata apenas de responsabilidade socioambiental, embora bastasse como justificativa para a revogação. Mas de coerência ao discurso de um governo que busca pautar a agenda climática global, vai sediar 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em novembro, no Pará. E levantou a bandeira dos catadores de recicláveis logo na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi das mãos de uma catadora, Aline Sousa, que Lula recebeu a faixa presidencial. A memória não pode estar tão fraca assim.