A família Bolsonaro escalou do ponto de vista retórico em relação ao inquérito das fake news, mas a medida concreta do governo federal foi entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de habeas corpus, um conhecido direito constitucional. O presidente afirmou nesta quinta-feira, 28, que o país não terá “outro dia como ontem” e emendou: “chega!”. Na noite desta quarta, 27, o clã falou também pela voz do deputado Eduardo Bolsonaro. Em entrevista após o inquérito que apura a disseminação de notícias falsas atingir aliados da primeira hora do bolsonarismo, Eduardo disse que “não é se, mas quando” haverá uma “ruptura” institucional.
O presidente também fez questão de postar um tweet no qual diz que “algo muito grave está acontecendo com a nossa democracia”. Em reunião com integrantes do governo, discutiu-se a possibilidade de o ministro Abraham Weintraub não depor e resistir a uma ordem judicial que determinou o seu depoimento no âmbito do inquérito das fake news. A opção final foi o pedido de habeas corpus para o ministro e todos os outros atingidos pela operação desta quarta, 27.
Há uma clara distância entre o tom do presidente e de seu filho, e o que o governo fez, que é o caminho de ir à Justiça. A dúvida dos juristas é, contudo, se esse é o papel do Ministério da Justiça dentro do governo federal. É que o ministro da Justiça, André Mendonça, foi o autor do habeas corpus em favor do seu colega de primeiro escalão.
Além de defender Weintraub, André Mendonça pediu também o trancamento do inquérito e alegou que as investigações sobre as fake news afrontam o exercício do direito de opinião e liberdade de expressão. Em sua conta no Twitter, Mendonça afirmou que a medida visa “garantir liberdade de expressão dos cidadãos” e também “preservar a independência, harmonia e respeito entre os poderes”.
Especialistas apontam que não deveria ser o ministro da Justiça a entrar com o habeas corpus de Weintraub, mas a sua defesa pessoal ou a Advocacia Geral da União (AGU). O órgão que defende o governo poderia, neste caso, tentar evitar o depoimento de Weintraub, ocasião em que o ministro da Educação será questionado por defender a prisão dos magistrados do STF, aqueles mesmos que ele chamou de “vagabundos” na desastrosa reunião ministerial do dia 22 de abril.
Em relação aos outros investigados no inquérito que apura disseminação das fake news, o governo não tem razão para se envolver, porque não são pessoas que atuam na esfera pública. Isso já é ponto pacífico no meio jurídico. Para o criminalista Celso Vilardi, seria melhor que a providência em relação a Weintraub não fosse tomada por Mendonça, mas pela Advocacia Geral da União, já que a operação que o governo busca responder foi realizada pela Polícia Federal, sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça.
Nada contra o ministro da Educação se defender de sua própria fala autoritária, mas o titular do Ministério da Justiça deveria esquecer, agora que virou chefe da pasta, que atuou por tantos anos como advogado de carreira da AGU, órgão que comandou por 16 meses no próprio governo Bolsonaro. Aliás, Weintraub e Mendonça sabem que qualquer cidadão pode entrar diretamente com um pedido de habeas corpus, medida jurídica disponível no estado democrático de direito. A mesma ferramenta que não estava disponível em parte da ditadura militar (1964-1985), tão defendida pelo chefe dos dois, Jair Bolsonaro.