A política não é tudo!
Teólogo Rodolfo Capler destaca a existência de realidades que transcendem a polarização esquerda-direita em nosso viver diário

Fazendo eco à máxima de Aristóteles, de que “o homem é um animal cívico [político]”, o economista nipono-estadunidense Francis Fukuyama, em sua obra As origens da ordem política, investiga a gênese do desenvolvimento das estruturas políticas dos tempos pré-estatais até às vésperas das revoluções francesa e norte-americana. Com o objetivo de lançar as bases para uma teoria do desenvolvimento político, sem descer às minúcias de suas observações, Fukuyama propõe uma espécie de radiografia política das principais civilizações humanas.
O livro de Fukuyama é muito relevante, porquanto revela o motor da ordem política: o próprio ser humano. Tudo o que fazemos ou deixamos de fazer se restringe à pólis. Lembro-me de uma professora do ensino médio, que nos dizia frequentemente, que “viver é um ato político”. Isso é iniludível, dado que a política é inerente a nossa natureza, de modo que não há ser humano apolítico ou ação e ensino neutros, como dizia o grande educador Paulo Freire.
Isto posto, a política é estrutural e estruturante de nosso viver social, de tal forma que não podemos ser idiotas (ignorantes da política; stricto sensu), visto que as mudanças sociais ocorrem em todas as instâncias, somente pela via política. O problema da segurança pública, a má gestação da pandemia, a baixa qualidade da educação, o buraco na rua, a elevação do preço dos pãezinhos na padaria… essas e outras questões de grande significância em nosso viver diário, só podem ser deslindados por meio da política.
Em contrapartida, temos de levar em conta que a política não traduz toda a realidade. Clodovis Boff, grande teólogo da Libertação, afirma sempre que “tudo é política, mas a política não é tudo”. Devemos prestar atenção em suas palavras! Há realidades e dimensões da vida que transcendem o âmbito político. Compreender isso nos livrará da “mordida do bichinho da política”, que nos faz ficarmos abitolados, psicóticos, monotemáticos e chatos, ao só enfatizarmos o domínio político da vida.
A vida é muito mais que a política. Há coisas belas na arte, na música, na filosofia, na religião, na literatura, nos esportes e no cotidiano, que não necessariamente, possuem um viés político. Não estou reivindicando alienação, tampouco neutralidade cívicas (o que por certo não existe), mas um olhar para realidades que estão para além da política.
O que se encontra no outro lado do horizonte político (que é finito por essência), é o “primum”, que segundo a filósofa alemã Edith Stein em sua obra Ser finito e eterno, é o infinito; o ser/substância que corresponde a nossa ideia de Deus. O infinito é o que dá significado e senso de propósito para as nossas vidas e nos permite contemplar o bom, o belo e o verdadeiro.
Por conseguinte, temos a oportunidade de experienciarmos o infinito, que transcende a política e nos eleva a outro âmbito da existência – todos os dias, nas coisas mais simples. Só precisamos nos permitir perscrutá-lo. Ele é contemplado, ordinariamente, como bem versou – em seu poema O infinito –, o italiano Giocomo Lopoldi: “E, quando o vento nas folhas, ouço sussurrar, aquele infinito silêncio a esta voz vou comparando: e lembro-me do eterno, e das mortas estações e da que agora passa e vive do seu rumor”. O infinito é a realidade que se encontra para além da política.
* Rodolfo Capler é pesquisador, teólogo e escritor